A Primeira Semana

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Essa incerteza se converteu em uma faísca de esperança e foi o que nos fez conseguir enfrentar os próximos dias. Foi um começo realmente complicado. Sem entretenimento nenhum, o tédio me consumia. Passei a dormir mais de 14 horas todos os dias. Hanna cuidava de tudo. Enquanto estava em casa, trocava minha fralda, me alimentava, me dava banho e conversava comigo pelo sistema que criamos. Eram conversas longas, quase monólogos meus, com breves, embora demoradas, falas dela.

Quando saía, eu voltava a ter crises de ansiedade. E meu único entretenimento era ficar sugando suco pelo canudinho que ela deixava em minha boca. Para me distrair, ficava lembrando dos bons momentos da minha vida. A imagem de Hanna no nosso casamento sempre vinha à minha cabeça:

Ela estava tão linda que dava vontade de chorar. Seu vestido branco era fino e delicado como sua pele. Esta era clara, mas não tanto para ser confundida com a de uma nórdica. Seu rosto, fino e com as maçãs salientes, estava coberto por uma leve camada de maquiagem, que corrigia suas pequenas imperfeições. Seus finos lábios estavam tingidos de vermelho e seus olhos castanho-escuros, delineados em preto. Uma brilhante tiara prateada prendia a frente de seu cabelo, deixando seus cachos loiros e compridos caírem soltos em suas costas.

Também lembrava da minha infância e dos meus falecidos pais. Eles morreram jovens, com 50 e 52 anos. Uma cena específica que aparecia vez ou outra era a de uma trilha para onde nós três tínhamos viajado. Era por volta de 10 horas da manhã e nós andávamos de mãos dadas. Como ainda era pequeno, eu me pendurava nos braços deles.

Mas nem sempre conseguia evitar a ansiedade. Ela vinha devagarinho, caminhando pelas lembranças boas e, do nada, atacava. Eu queria ter filhos. E sempre que pensava em Hanna, chegava a esse sonho. Então caía em lágrimas, sabendo que nunca poderia ser um pai, e muito menos um pai presente na condição em que me encontrava.

Na realidade, todos os meus sonhos haviam sido destruídos. Nunca poderia ascender a um cargo importante na empresa onde trabalhava — na parte administrativa. Não poderia nem ter permanecido no cargo que ocupava. Tive de me demitir.

Alguns medos também apareciam recorrentemente, como o de Hanna me abandonar e o de invadirem a casa. Eu não poderia fazer nada em nenhuma dessas situações.

No começo, o tédio e a impossibilidade de fazer coisas eram insuportáveis. Com o tempo, comecei a me acostumar. Comecei a contar histórias para mim mesmo e a explorar mais o mundo das ideias. Voltei à matemática que havia aprendido na escola e tentei resolver problemas propostos por mim mesmo. Organizei os fatos históricos que conhecia e passei a pensar redações sobre temas dos mais diversos.

Em algum momento, Hanna voltava para casa e me tirava de meus devaneios com seus beijos e as delícias da padaria. Estes foram os únicos prazeres concretos que eu tive naquela época. Com ênfase nos beijos de língua, em que Hanna era especialista.

Cego, Surdo e TetraplégicoOnde histórias criam vida. Descubra agora