Capítulo 1

10 1 0
                                    

Emma Willians

Abro os olhos assim que o despertador estridente toca, incrivelmente minha audição ficou mais apurada para compensar minha falta de visão.  Porém, para mim, ficar de olhos abertos nunca foi muito diferente de permanecer com eles fechados. É como tentar apagar um incêndio com um copo d'agua. Pouca coisa muda. Enxergo a escuridão total do meu quarto logo nas primeiras horas da manhã, mas os fechos de luz que entram pela minha janela funcionam como a garantia de que, sim, eu ainda enxergo alguma coisa. 

Meu pijama está quase colado ao corpo e meus cabelos castanhos estão mais amassados que o habitual. Ao acordar, meu pensamento não é novo: já é a sexta vez que sonho com ele. Tento reconstruir na minha mente aquele rosto que não é mais um novidade. Ele já apareceu diversas vezes nos meus sonhos, com um longo intervalo de tempo entre um sonho e outro. 

E estou certa de que era ele mais uma vez nesta noite. Sempre ele. 

O cara de camisa listrada e com um meio sorriso que, geralmente, parece olhar para mim. No entanto, o que eu não sei é justamente o que mais me intriga: Quem é ele?

Tateio o chão de madeira com os pés descalços e então fico em pé. Sabendo de antemão que não vou encontrar nenhum obstáculo pelo caminho, arrasto meu corpo miúdo para o outro lado do quarto, que está mais do que abafado.

O verão está acabando e está mais quente do que nunca. Como sempre meus pais precisaram viajar a trabalho, mas dessa vez ninguém ficou a disposição para cuidar de uma garota que acabou de completar 17 anos. No caso eu.

Meus pais são arqueólogos, e algumas vezes surgem alguns convites para viajar até Deus-sabe-onde para estudar e analisar Sabe-se-lá-o-que. Até pouco tempo atrás eu tinha a tia Candice ao meu lado, para cuidar de mim, então nunca houve problema, em viajar e me "deixar para trás". Porém, agora é diferente, tia Candice casou e mudou-se para Seatlle, que fica mais de vinte e três horas de distância de Phoenix.

Eu ainda tento encarar o fato de que a nossa casa não é a mesma sem a presença dela. Já meus pais tentam de alguma maneira inusitada ter alguma ideia do que fazer quando uma nova viagem surge. A discussão é sempre a mesma, e todas as noites eu escuto as conversas na cozinha.

O problema é meu, a cegueira é minha. Ninguém tem nada a ver com isso — ao menos, não totalmente. Então, por cinco dias, decidir dar uma mini férias para os meus pais.

E seria uma grande mentira se eu disser que não estava com medo. Eu me senti insegura logo que eles foram embora, fiquei me perguntando se saberia encarar aquilo sozinha.

Na noite da viagem, o carro lotado com as bagagens deixou a nossa garagem, e eu até mesmo acenei, fingindo vê-los partir.

Na verdade, a cegueira não é algo que está me incomodando, e sim minha aflição por não ter ninguém ao meu lado. Meu medo é que, a qualquer momento, o silêncio possa me engolir.

Desço, degrau por degrau, as escadas do meu quarto, empurrando a porta que encontro na minha frente. Meus pés tocam o piso do segundo andar e fico feliz por não ter rolado escada abaixo (à propósito, aconteceu uma vez).

A minha previsão de que meus pais haviam deixado todas as portas abertas se confirma assim que entro no banheiro. Abro a torneira e jogo um pouco de água no rosto, o suficiente para acordar. Sei que na minha frente existe um espelho, mas só consigo ver a moldura, o que deveria ser meu reflexo não passa de uma mancha, e é isso que enxergo todos os dias.

Arrisco dizer que a parte mais difícil em ser cega é essa: não saber exatamente como eu sou.

Levo a mão direita até o rosto, fazendo com o que o indicador percorra o contorno do nariz, bochechas e lábios. Sei que minha pele é macia, mas o que jamais poderei ter certeza é se eu sou uma garota bonita. Fecho os olhos por um segundo e suspiro, me sentindo uma verdadeira idiota por começar o dia pensando nisso.

Quebrando as regras do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora