Capítulo Doze

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Às nove horas da manhã seguinte, seu criado veio com uma xícara de chocolate em uma bandeja e abriu as cortinas. Dorian dormia pacificamente, deitado ao lado direito, com uma mão debaixo de seu rosto. Ele parecia um garoto cansado de brincar ou de estudar.

O homem teve de tocá-lo duas vezes no ombro antes que ele acordasse, e enquanto abria os olhos, um débil sorriso passou pelos seus lábios, como se ele estivesse tendo algum sonho delicioso. Porém, ele não sonhara nada. Sua noite não fora incomodada por quaisquer imagens de prazer ou de dor. Mas o jovem sorria sem nenhuma razão. Era um dos seus principais encantos.

Ele se virou e, apoiando-se no cotovelo, começou a beber seu chocolate. O suave sol de novembro irradiava-se pelo quarto. O céu era de um azul brilhante e havia um calor ameno no ar. Parecia quase uma manhã de maio.

Aos poucos, os eventos da noite passada se erguiam em silenciosos pés manchados de sangue em seu cérebro e se reconstruíam lá com uma terrível clareza. Ele estremeceu com a memória de tudo o que tinha passado e, por um momento, o mesmo sentimento curioso de amaldiçoar Basil Hallward, que lhe fizera matá-lo enquanto estava sentado na cadeira, voltou a si e esfriou a sua paixão. O homem morto estava sentado lá, também com o sol da manhã sobre ele. Como era horrível aquilo! Coisas repugnantes como essas eram pertenciam à escuridão, não ao dia.

Ele sentiu que se pensasse sobre o que ele tinha passado, adoeceria ou enlouqueceria. Havia pecados cuja fascinação estava mais na memória do que em cometê-los, estranhos triunfos que satisfaziam o orgulho mais do que as paixões e davam ao intelecto um excitado sentimento de alegria, maior que a alegria proporcionada ou que poderiam ser proporcionadas por eles, aos sentidos. Mas aquele não era o caso. Era uma coisa a ser retirada da mente, a ser entorpecida com ópio, a ser estrangulada antes que ela mesma pudesse estrangular alguém.

Ele passou sua mão pela testa e então se levantou apressadamente e se vestiu com ainda mais atenção do que a habitual, se dedicando bastante à seleção de sua gravata e ao alfinete de seu lenço, e trocando seus anéis mais de uma vez.

Ele ficou muito tempo no café da manhã, provando os vários pratos, conversando com seu pajem sobre novos uniformes que ele estava pensando em confeccionar para os criados em Selby e verificando sua correspondência. Ele sorriu com algumas de suas cartas. Três delas o entediaram. Uma ele releu várias vezes e então rasgou com um leve ar de irritação em seu rosto. “Que coisa horrível, a memória de uma mulher!”, como dissera uma vez lorde Henry.

Quando terminou de beber seu café, ele sentou-se à mesa e escreveu duas cartas. Uma, ele colocou em seu bolso, a outra, entregou para seu pajem.

“Leve isto para o número 152 da Hertford Street, Francis, e se o senhor Campbell estiver fora da cidade, obtenha seu endereço”.

Assim que ficou sozinho, ele acendeu um cigarro e começou a rabiscar em um pedaço de papel, desenhando flores, um pouco de arquitetura, primeiro, e depois rostos. Logo ele notou que cada rosto que desenhava parecia ter uma extraordinária semelhança com Basil Hallward. Ele fechou a cara e, se levantando, foi até a estante e retirou um volume qualquer. Ele se determinara a não pensar sobre o que acontecera, até que fosse absolutamente necessário fazê-lo.

Quando ele se esticou sobre o sofá, olhou para o título do livro. Era Emaux et Camées, de Gautier, em uma edição de papel-arroz da Carpentier, com o entalhe de Jacquemart. A encadernação era de couro verde-cidra, com um desenho de treliças douradas e romãs pontilhadas. Fora lhe dado por Adrian Singleton. Enquanto ele virava as páginas, seus olhos descobriram o poema sobre as mãos de Lacenaire, a mão amarela e fria du supplice encore mal lavée, com seus abundantes pêlos ruivos e seus “dedos de fauno”. Ele olhava para os seus próprios dedos finos e continuou, até chegar a estes vívidos versos sobre Veneza:

O Retrato De Dorian GrayOnde histórias criam vida. Descubra agora