Capítulo 1

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Sarah

Está tudo escuro, não ouço barulho algum além da forte chuva que cai e por um momento parece que o mundo parou. Estou sozinha, minha cabeça lateja e sinto um liquido quente escorrendo na minha testa, tento me mexer e a dor excruciante que sinto nas pernas me faz paralisar. Não sei a quanto tempo estou aqui, não consigo enxergar nada e o pânico começa a se instalar em mim. Meus olhos estão pesados, tento mantê-los abertos, mas não consigo. Não tenho forças suficientes.

Esta sufocante aqui dentro, por favor, alguém me ajuda.

Acordo assustada, olho em volta do quarto e constato que foi só mais um pesadelo. O relógio marca cinco da manhã. Sei que não vou conseguir dormir mais, nunca consigo depois de um pesadelo.

Levanto devagar, pego o que preciso ao lado da cama e vou andando com certa dificuldade até chegar ao banheiro, minha cabeça dói como se eu tivesse passado a noite em claro, o que é um absurdo pois costumo dormir cedo e meu sono é ótimo, exceto em dias como esse em que tenho lembranças em forma de pesadelo sobre aquele dia.

Tomo um banho quente esperando que a dor passe, alivia um pouco, posso aguentar. Ao voltar para o quarto vejo a tela do meu celular piscar em cima da cama, só pode ser uma pessoa me ligando a essa hora da manhã.

- Oi, amor. Bom dia – Falo com carinho.

- Bom dia, meu amor. Você vem me ver hoje? – Ouço sua voz bem baixinha.

- Não sei meu lindo, estou um pouco atarefada na empresa. Posso saber o motivo do senhor está falando tão baixinho? – Indago já sabendo a resposta.

- Não, não pode. Você vai reclamar comigo e eu não estou afim hoje. – Sorrio ao ouvir sua resposta, posso até imaginar os braços cruzados enquanto segura o telefone entre o ombro e o ouvido como se fosse gente grande.

- Tudo bem, tudo bem. Vou deixar passar dessa vez só porque é seu aniversário. – Escuto um arquejo de surpresa.

- Como você sabe? Você tem aquela coisa redonda que brilha e adivinha as coisas? – Fala empolgado. Sorrio de sua inocência.

- Como eu não saberia o dia do aniversário do homem mais importante da minha vida? – Coloco o celular na cama e ativo o viva voz, se eu focar em apenas conversar com ele é capaz de chegar na empresa só na hora do almoço.

Escolho um vestido longo de um azul bem clarinho, ele é todo estampado com florezinhas miúdas; como as alças são bem fininhas e deixam meus ombros descobertos, decido usar um blazer da mesma cor, só que um pouco mais escuro e liso.

- Se eu sou o homem mais importante da sua vida deveria passar mais tempo comigo. Você não está cumprindo seu papel de tia direito. – Fala emburrado.

Calço uma bota marrom, eu sei, não combina nada com a roupa. Mas o vestido é longo o suficiente para não mostrar meus pés.

- Eu prometo que vou te visitar mais vezes, preciso entregar seu presente logo. Tenho certeza que você vai gostar. – Tento distraí-lo.

- Tá de boa, se você não vier eu vou até sua casa. Ai meu Deus, a mamãe acordou, ela vai me matar. Tchau tia. – Desligou.

Não tive tempo de dizer tchau, aposto que nesse momento ele está escondendo o celular da mãe em baixo da cama e se enfiando nos lençóis fingindo dormir. Meu sobrinho tem 8 anos, na verdade hoje ele completa 9 anos e como ele mesmo diz "já é quase um adulto". Dou risada, mas sei que é parcialmente verdade, ele pode ser mais maduro do que eu em meus 24 anos.

Olho o relógio mais uma vez e já são 6:15. Organizo minha bolsa para o trabalho e tomo um café bem rápido já pronta para sair. A ida até a empresa leva cerca de 40 minutos.

Chamo um táxi na portaria do prédio e vou adiantando algumas coisas pelo tablet enquanto observo as ruas de Manhattan. Moro aqui a uns 3 anos e sinto que nunca vou me acostumar com a beleza desse lugar, os prédios extremamente altos e o Empire State Building dão um clima imponente a Manhattan. Não trocaria isso por nada.

Sou tirada dos meus pensamentos quando o taxista chama minha atenção.

Pago e desço do veículo me preparando para mais uma semana de trabalho. Olho para cima contemplando a vista. O prédio da empresa possui cerca de vinte e cinco andares, todos com janelas de vidro imensas, imagino como deve ser incrível trabalhar em uma daquelas salas com a vista para uma das ilhas mais lindas de nova York. A fachada é toda branca e dourada, que reflete a luz do sol brilhando como as barras de ouro que a família dona da empresa deve ter em seus cofres em casa.

Eu amo trabalhar aqui, não é o emprego dos meus sonhos, mas é o que paga minhas contas e me permite ficar perto das pessoas que eu amo. Não consegui concluir meu sonho e precisei dar um rumo a minha vida para pagar as despesas, quem sabe daqui uns anos eu retome de onde parei.

- Bom dia senhor Dener. – Cumprimento com um sorriso o segurança na porta de entrada. Ele acena de volta para mim, passo pelo fluxo de funcionários e entro no elevador.

O senhor Dener já é um senhor de idade, mas se recusa a deixar de trabalhar. Todo dia ele está aqui, devidamente fardado e com um sorriso no rosto.

Enquanto as portas do elevador se fecham me permito observar o hall de entrada do prédio. O piso é todo em porcelanato polido tão brilhante que tenho até medo de pisar e manchar, tanto é que na entrada esfrego meus sapatos no tapete pelo menos umas três vezes só por precaução.

Por fim as portas do elevador se abrem no vigésimo quarto andar, que é onde trabalho como secretaria do vice-presidente da Enterprise Architecture Campbell a dez meses. Minha mesa fica entre dois corredores, um dá acesso a sala do presidente e a outra a sala do vice.

O espaço é bastante amplo, e claro devido as janelas de vidro que compõem o ambiente. Na lateral direita tem umas minis poltronas para as visitas aguardarem, uma mesinha de centro com revistas de diversos assuntos que eu duvido que seja atual. A esquerda uma porta dá acesso a copa, meu lugar preferido, tem uns bolinhos ótimos de chocolate. Não me pergunte como sei disso, acredito que a resposta é óbvia.

Minha mesa não é muito grande, tem o padrão normal para mesa de secretaria. Em cima possui apenas um computador, minhas agendas e anotações aleatórias, a verdadeira bagunça fica na gaveta embaixo.

Com um timing perfeito para horário as portas do elevador se abrem a exatamente 7:30 da manhã. Ele chegou.  

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