Mais uma manhã normal por aqui. Douglas acordou, me deu bom dia e foi em busca de uma caixa de cereal. Depois comeu todos os salgadinhos de um saco pequeno e murmurou sobre ainda estar com sono; Nathan levantou logo depois, ligou a Alexa e colocou uma música pra agitar o ambiente, como ele gosta de dizer; Samuel – Sam, como gosto de chamar – foi o último a se levantar, como sempre. Ele reclamou de tudo e no fim preferiu ir jogar em um dos quartos. Pro seu azar, ninguém do seu time estava online e ele decidiu dar uma volta no shopping.
No fim, à tarde, sobrou eu. Desde às cinco da manhã com a porra do notebook no colo, sentado nesse sofá com as pernas apoiadas na mesa de centro, suplicando que alguma coisa flua. Qualquer coisa. Pra ser bem objetivo, não aguento mais escrever e apagar.
Um loop do caralho que daqui a pouco vai me fazer ir parar no médico ou coisa pior. E Deus me livre ter que ver a cara do Dr. Steve tão cedo de novo.
Ele só me lembra todo o episódio depressivo e angustiante que passei há cinco anos. Todo aquele lance do meu avô pegar uma faca e enfiar no meu peito. Ele ficou puto de raiva do nada, sei lá porquê. Eu só tinha ido fazer um convite pra festa da filha dele. Muito sem noção o velho.
O lance é que tô muito curado de tudo isso, sério mesmo. O que me pega é que hospital/médico me dão calafrios. Porque, querendo ou não, me fazem lembrar. Não só do acidente, mas de todas as consequências do mesmo. Minha família e tudo o mais. E aí fica toda aquela sensação ruim à minha volta, que eu não gosto. Não me amarro nisso de bad vibes.
Então, pro bem geral, alguma coisa tem que fluir. Além do meu desabafo. Como estou fazendo agora. Que barra. Não quero chegar no ponto de escrever um diário e fingir que é uma coisa séria que posso compartilhar com todos e me orgulhar. Seria tipo como se eu fosse um adolescente e não um adulto de vinte e um anos.
— Aí — Douglas me joga um chaveiro com uma bola de futebol, que esbarra no meu ombro e cai no chão. Ele está sentado no sofá ao lado oposto há um tempo, fazendo sua atividade favorita: NADA. — Por que você tá calado o dia todo?
— Talvez ele esteja de porre — Nathan responde, terminando de colocar um dos seus troféus em cima da lareira.
Nathan é o cara que mais ganhou troféu na infância dentre nós todos. De futebol, natação, pintura, aluno do ano. Todas essas porras. Ele decidiu que seria bom deixar a sala de estar um pouco com a sua cara, então hoje trouxe todos pra cá. Ele se orgulha muito de tê-los e parece ter um ciúme obsessivo de cada um, porque quando Douglas fez menção de pegar um para olhar assim que a caixa foi colocada no chão, Nathan quase o espancou.
Claro que todos esses troféus ajudam um pouco no ego do cara. Deve dar uma impressão que Nathan não é tão inútil quanto seus pais o fazem parecer e acreditar. Às vezes fico um pouco comovido por ele.
Ele é herdeiro de uma das empresas de Tecnologia de maior nome da atualidade. Filho único. Então, aquela pressão. Acho que Nathan não sabe lidar com isso e é simples assim. Desde pequeno ouvindo que tem que ser o melhor, se comportar, ser bem visto, ser como o pai que, pra variar, Nathan odeia. Porra, a cabeça desse maluco não é das melhores.
Analisando assim, acho que é justificável a sua sede por uma vida desregrada. Deve deixá-lo mais tranquilo quanto a responsabilidade que o aguarda lá na frente. Nathan, se um dia você ler isso, sinto muito, cara. Não tem jeito, você é o herdeiro da Tecnus, e não adianta odiar seu pai.
— Ele não tá de porre — Douglas contesta, e ergo os olhos para vê-lo confuso enquanto me observa. — O que tá pegando, Ryan?
— Tô escrevendo.
Meu amigo permanece alheio. Diria que pensativo. E, se posso dizer como um exímio observador, Douglas pensa demais. Dentre nós, ele é o que mais pensa. Mas geralmente os pensamentos o fazem parecer um idiota. Ele fica parado, encarando a gente, confuso na própria cabeça, até que solta algo nada a ver pela boca. Não é uma crítica, eu amo o cara, mas às vezes seria bom se ele fosse um pouco menos devagar. Pro próprio bem dele.
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Tempestade de Gelo #1 (NA AMAZON)
ChickLitRyan Smith tem um sonho: escrever algo que possa compartilhar com o mundo. O problema é que sua única fonte de inspiração são seus três amigos vazios, com quem divide uma casa, os dias e os problemas. Lucy Waller não contava que seus dias poderiam...