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"A cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança"
(José Saramago)

Ella
S

ubmersa , é assim que eu me sinto agora.
Como se fosse uma onda passando por cima de mim.

Ela me afunda ,e quando eu tento subir ,ela passa por cima de novo. E me joga mais fundo.
Me prendendo ,me sufocando ,nunca me deixando livre.

Lian está praticamente berrando no corredor quando eu consigo abrir os olhos, minhas pálpebras estão pesadas a ponto de enxergar tudo meio turvo, então me sento devagar antes que minha pressão simplesmente vá para os ares e demore a voltar.

Me sento titubeante e me encosto na cabeceira quando Lian invade o quarto com uma bandeja nas mãos

-Não estou com fome- digo quando a coloca ao meu lado

- Não é uma opção.

Ergo o olhar e percebo que ele está muito, muito sério.

- Você não tem autorização para morrer de fome. Não anda se alimentando Ella e preciso que esteja saudável. Você não tem autorização para cometer suicídio. Não tem autorização para fazer mal a si mesma. É valiosa demais para mim.

-Eu sinto muito - é tudo o que eu digo antes que eu peça que ele saia do quarto de novo ,não consigo olhar pra ele. Não quando tudo o que vejo é dor.

O observo sair ,mesmo quando ele implora para ficar ,mas eu não tenho forças ,não agora .

Observo o sol brilhando lá fora ,o belo jardim ,me chamando para ir ,mas os ignoro e me contendo com o livro ao meu lado

Passo o dedo contornando as palavras escritas em um floreio rebuscado e leio as palavras que eu li dezenas de vezes para a minha mãe.

"Para você, que a cada novo por do sol se
reconstrói"

Suspiro e abro na página que tinha marcado, o autor escrevia em forma de frases. Elas eram jogadas de forma propositalmente a chamar atenção, as vezes em forma de verso, outras eram somente palavras escritas ao vento e as vezes eram só páginas em branco, com somente uma palavra no meio.

A parte em que eu estava lendo era uma frase, simples e delicada de alguma forma.

"Na maioria das vezes, as respostas não vêm como um grito na escuridão e sim como um suave sussurro no meio da multidão"

-Ella ?- Dominic bate na porta me resgatando dos devaneios e eu permito sua entrada ,mas diferente de todos ,quando ele entra ,não há palavras ou comentários ,ele apenas sorri ,ele só se senta ao meu lado da cama e ficamos ali . Apenas em silêncio . Os dois de olhos fechados ,apenas ali

-Por que Lyra ?- ele pergunta depois de um tempo ,ainda de olhos fechados

- Era a constelação favorita do meu pai - Ele sorri de novo e eu começo devagar, olho uma última vez e dou um pequeno sorriso de volta.

-Me conte a história do seu nome ?, Por favor - ele pedi  depois de uma pausa , e eu sorrio ,essa é uma das minha lembranças favoritas e eu me ajeito melhor antes de começar. Me deixando levar quando as memórias me puxam ,pra um lugar de paz .

-Quando eu era pequena ,eu costumava passar as noites no jardim ,apenas para ver as estrelas .um dia meu pai se sentou do meu lado e me contou uma história . a história falava sobre um homen e seu amor .esse homen era  Horfeu , ele era completamente apaixonado por sua esposa ,e quando ela morreu ,ele foi até o inferno para a salvar . ele pediu aos deuses que a libertassem e eles cederam com a condição que ele não a olhasse enquanto não chegassem a superfície. Mas ele a olhou e por isso ela foi dada a eternidade a Hades e ele inconsolável ,foi despedaçado . Então Zeus mandou que recolhesse lira até o céu e a colocasse lá em memória de Horfeu . Depois que ele terminou a história ,ele disse que era isso que eu era ,sue estrelinha , sua constelação favorita , que ele iria até o inferno por mim .

Dominic com cuidado ,segura a minha mão na sua mas deixando espaço para que eu me solte se quiser, ele diz baixinho -E quando deixou de ser Lyra ?

-Quando eu percebi que não haveria mais ninguém que fosse ao inferno por mim

-Eu iria até o inferno por você se quer saber

Sorrio com isso e aperto sua mão com força, porque agora quem o está segurando sou eu, sou eu quem não quero que ele me solte

-Há quase vinte anos atrás eu encontrei Leon e Dilan ,ambos sujos e machucados ,lutando pra sobreviver nas ruas da Itália -Diz e limpo algumas lágrimas. - Depois daquele dia eu comecei a acreditar em destino, comecei a acreditar muito em destino. Mas o destino não acontece por acaso, o destino é movido por algo ou alguém que quer quê aquilo aconteça. Talvez se aquilo não tivesse acontecido, eu não teria minha família. talvez se aquilo não tivesse acontecido com aquelas crianças ,abandonadas por uma mulher que os deixou eu não teria isso.

Eu me calo por uns instantes até recuperar o fôlego.

- O destino não deixou que eles morressem e os colocassem no meu caminho naquela noite ,  e foi o destino que me colocou no caminho de Helena Venturelli antes disso. - Continuou - Mas esse destino foi movido por uma pessoa que partiu faz muitos anos, muitos anos. Ela era muito querida, muito amorosa e foi ela quem me guiou por anos dentro dessa família. E você tem muito dela em você .

-Devemos ter a chance de nos despedir do nosso passado, para que possamos seguir em frente.

Ele diz e olha em meus olhos antes de continuar

- O tempo rouba de nós apenas aquilo que permitimos Ella .O perdão é uma virtude de bravura , está na hora de você se perdoar.

-Acha que meu pai se orgulharia ?- pergunto mordendo os lábios e fitando seus olhos

-Eu tenho certeza que o seu pai se orgulharia de tudo que você se tornou , Ella- eu abro um meio sorriso sentindo as lágrimas me alcançarem e Dominic me abraça apertado.

- Eu ouvi que você não gosta de abraços.

-Por você eu abro uma exceção - sussurro e eu passo meus braços em volta de seu corpo como se eu dependesse disso.


- E se me permitir ,eu gostaria que você me aceitasse como seu pai e é o desejo da Helena que você a aceite como mãe , quero que nós aceite como sua família Ella ,não para substituir ,mas amar .

-Eu aceito- digo com a voz embargada e sufocada quando Dominic me abraça ainda mais forte

-Você é a filha normal que eu nunca tive... Mas, não deixe Arabella ouvir isso.

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