Amanda Bláth

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     Assim que a sentença foi proferida por Lord Magno, uma expressão de espanto e pasmo dominou a feição de Sophie e James. Ambos nunca imaginaram que seriam aprovados desta maneira, novamente, um coquetel de sentimentos transitavam pelas veias da pequena moça; sua vida, até então, havia sido uma preparação para aquele momento de glória, entrar para a Ordem Inquisidora, continuar o legado de Slock Darach e ainda mais, tendo por companhia um irmão de consideração, como gostava de pensar em J.D., era a plena realização de um sonho. Vencida pela emoção, Sophie se rende, caindo de joelhos, soluçando em um choro libertador.

     O Lord Esfolador foi irredutível com o jovem Travash, rogou sobre ele as pragas mais temerosas e os xingamentos mais hostis que seu vocabulário portava. Após direcionar James para a enfermaria, Magno esfregou o rosto de Filipe no chão, em cima da urina que havia há pouco esfriado. Aos prantos e na completa humilhação, o rapaz foi posto para fora da Mansão Inquisidora pelo mesmo guarda que o acompanhou em sua entrada. Ao passar pelo Portão do Amanhecer, Filipe foi atirado com violência sobre o cascalho; no seu rosto, o suor e as lágrimas se misturaram com a poeira do solo, as mãos ainda trêmulas revelavam pequenas luxações e esfolamentos causados pela força dos punhos cerrados que encontraram o solo na hora em que fora atirado para fora. Seus olhos expressavam um ódio descomunal, ao apertar os dentes contra o lábio inferior, apenas uma coisa se passava em seus pensamentos: vingança.

     A enfermaria se localizava em uma área da Mansão próxima da Sala de Treino, era muito comum que os inquisidores residentes a visitassem após seus treinamentos. Nela, a Mansão Inquisidora abandonava o seu ar claustrofóbico, e adotava uma decoração mais clara e arejada, com suas janelas mais altas e amplas, que davam visão para o portão oeste e os altos ciprestes que dançavam ao sabor dos ventos. A sala portava diversas macas improvisadas, pequenas mesas metálicas e algumas poucas cadeiras de balanço que rangiam quando ocupadas pelos acompanhantes dos enfermos nelas se reclinavam. Além de um crucifixo de madeira dependurado no fundo do salão da enfermaria, as paredes eram contempladas por armários e cristaleiras que continham inúmeros potes, frascos e vidros com utensílios médicos e elixires para o tratamento dos pacientes desventurados.

     Dona Lola era a enfermeira da mansão e tia avó de Filipe, aprendera desde muito cedo com sua mãe os primeiros socorros e os preparos de xaropes e compressas milagrosas, muitos deles herdado da ancestralidade bárbara da família. Seus métodos eram pouco ortodoxos, seus tratamentos possuíam a fama de serem rápidos, porém, sem misericórdia ou anestesia. A velha enfermeira possuía um porte baixo e troncudo, amarrava os cabelos grisalhos com um coque no alto da cabeça, mas alguns fios escapavam pelos lados, se movendo juntamente com a cabeça que balançava de um lado para o outro, no compasso dos pezinhos rechonchudos ao cruzar o salão.

     Logo que J.D. chegou, Dona Lola lhe apontou a maca em que deveria ficar, tão depressa o garoto viu sua camisa branca, já rubra pelo sangue que perdera, ser dilacerada pela tesoura rápida e precisa da enfermeira. A fratura exposta foi analisada por alguns instantes, e antes mesmo que Sophie, que havia acompanhado o amigo até aquele momento, pudesse explicar o que havia acontecido, a enfermeira pequenina já havia esguichado meio vidro de álcool sobre o ferimento, resultando em urros e gemidos do pobre James que percorreram os arredores da Mansão. Num rápido e preciso movimento, Lola puxou o pulso do rapaz, e com dois dedos recolocou o osso saltado para dentro da carne. Sophie sentiu a perna bambear ao ver a cena.
Em instantes o braço do rapaz já estava coberto por uma pasta de mato-borbóreo e mentruz, atado com uma tala e bandagens. Depois dos procedimentos, Dona Lola deu um elixir para que ele o tomasse, e recomendou-lhe que passasse aquela tarde em repouso na enfermaria.
Era por volta das duas da tarde, o estômago de Sophie reclamava em alto e bom tom. James estava em um estado de sonolência tão acentuada, que logo que Dona Lola se retirou o rapaz se pôs a roncar sob o efeito do elixir. Sophie, diante daquela cena, estava inquieta sem saber o que fazer. Parecia em sua mente algo tolo, mas sofria quando precisava tomar alguma decisão sozinha em termos semelhantes; queria procurar algo para saciar a fome, no entanto, temia abandonar o amigo, evidenciando uma falta de atenção. Tinha o costume de olhar para o nada, com um semblante morteiro, enquanto mil pensamentos e nenhum ao mesmo tempo lhe passavam à mente. Este estado de reflexão involuntário foi interrompido somente quando a enfermaria recebeu a visita de outra pessoa.

Inquisição - Crônicas do ImpérioOnde histórias criam vida. Descubra agora