O Sangue Darach

86 5 1
                                    

     Quando finalmente o festival das solérias se findou, após quatro dias intensos de apresentações, ceias e negociações, a atmosfera amena e tediosa retomou as ruas de Toll. Devido à tempestade que açoitou a região nas vésperas do evento, muitos vendilhões ficaram impossibilitados de armar suas tendas, juntamente com os estragos nos campos soléricos, a baixa lucratividade do festival apontara uma fase de risco latente para o restante do ano, fato este, que preocupara os tollserianos, pois temiam a chegada do inverno e a escassez de recursos.

      Na manhã seguinte ao evento, a família Darach se preparava para a despedida de Lord Magno. O Esfolador organizara uma pequena comitiva para escoltar sua ida à Cidade Áurea, quatro dos seus soldados particulares iriam acompanhá-lo, enquanto os outros dois ficariam na sua residência protegendo os seus. A viagem eram deveras muito longa, cerca de trinta e cinco dias para chegar à Corte, cortando as chapadas e as florestas que separavam o Vale de GoldStorm do Planalto Central. Para encurtar o percurso, a pequena comitiva levaria apenas o essencial, evitando a sobrecarga de peso sob os animais.

     Henry chegara cedo à Praça de Santo Agostinho, onde a família Darach habitava em uma luxuosa residência. No alpendre do segundo andar, se desenrolava da janela uma bandeira de algodão-fiado, com bordados de linha de ouro, que ostentavam o brasão do Clã, nele, se via tecidos o semblante de uma pantera, tendo atrás de si uma espada de corte duplo, símbolo da ferocidade. As cores marrons e negras, com detalhes em dourado eram as que representavam o sangue da ancestralidade dos "caçadores implacáveis", como eram conhecidos os primeiros Darach.

     O casarão antigo da família inquisidora, era um dos mais luxuosos e tradicionais da cidade, ficava localizado na esquina da Praça da Matriz, e tinha vista ampla sobre todo o perímetro. Construída com pedra-nebulosa polida e cerne de mogno-do-fogo, madeira muito rara e resistente, tendo venezianas e janelas muito largas, com vitrais adornados e coloridos, a construção se revelava imponente entre os demais edifícios. Nela a família do Barão de Toll conviveu por muitos anos. Sua esposa, Elizabeth Darach, fora, antes do matrimônio, uma camponesa que vivia da lavagem de roupas junto ao rio Constante, que serpenteara entre as redondezas do vilarejo. O casamento de Elizabeth e Adam Darach sempre fora especulado pelas más línguas, nunca antes um Barão houvera pagado o dote de uma lavadeira. Dos três filhos do casal, Slock era o que mais zelava pela saúde de seu pai, aos poucos, o filho do meio, foi tomando a posição de esteio da família, enquanto o pai desfalecia com a tuberculose. Não demorou muito para que na carta de seu testamento, Slock recebesse a maior parte da riqueza adquirida pelo Barão, incluindo o casarão e grande parte das terras que cultivavam a flor-do-sol.

     Elizabeth, por sua vez, sempre tivera Leão debaixo de suas asas, e o testamento que seu marido deixara, colocara Magno e o filho caçula em desvantagem, porém, o que coube a ela foi, sem sombra de dúvidas, o que mais a deixara indignada, além de não reservar nenhuma posse em seu nome, o Barão de Toll em acordo com a Coroa Imperial, findaria nele a meritocracia do título baronês, com isto, além de dependente dos filhos, a senhora Darach perdera com a morte do marido, a pomposa honra de Baronesa. Sua revolta só não foi maior do que a do jovem Magno, que se via humilhado, por ser o primogênito, e mesmo assim, perder os devidos direitos sobre o legado paterno.

      Naquela manhã nublada, o clima quente e úmido do verão começara a ceder lugar à frente fria que chegaria, com propriedade, nas semanas do outono. Sentados à mesa do café-da-manhã estavam Magno, sua mãe, Ofélia sua esposa, e as filhas Margot e Alice, uma com dezenove anos e a outra com dezesseis. A família acordara bem cedo, e a casa toda já estava alvoroçada com a partida do Lord Esfolador. A velha mulher, com cabelos brancos e amarrados em um coque no alto da cabeça, tomara seu tradicional chá de erva-do-campo com leite. Após a viuvez, ela se cobriu de luto. Usava apenas vestido, luvas e sapatos, todos negros, quando saia em público, em raras ocasiões, a ex-baronesa ainda colocava um chapéu com véu de renda, que cobria sua face parcialmente, o que dava um ar fúnebre de mortalha. Mesmo perdendo o título, a velha progenitora do clã, não perdera a compostura e o ar de superioridade,

Inquisição - Crônicas do ImpérioOnde histórias criam vida. Descubra agora