As Sacerdotisas de Baal

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      Naquela mesma manhã, uma corja de corvos gralhava nas redondezas das pastagens emagrecidas e amareladas próximas do bosque-da-lua, no vilarejo mambrenense. As aves voavam em círculos, num ritmo frenético e descompassado, o barulho do bater de suas asas e do som emitido pela algazarra que faziam, eriçava os pelos de quem visse a estranha cena. Sempre que uma corja assim aprecia, os habitantes do Vale de GoldStorm se preparavam para a notícia de alguma morte ou desastre.

     A pequena Mambré sobrevivia a custo do serviço pastoril e da fabricação de agasalhos e acolchoados, feitos da lã dos carneiros e das ovelhas, que eram abundantes nas suas chapadas. O leite, a carne e o couro dos ovinos, eram subsídios de alto valor nas redondezas, parte dos produtos era armazenado no lombo de burros de carga, e destinado à Cidade Áurea, onde a Corte Real, principalmente, se abastava com as botas e coletes de couro de cabra e supriam-se as mesas com queijos, manteiga, fermentados e cortes nobres de carne, pagando um valor insólito pelos produtos mambrenenses. As peças de lã era o que realmente aquecia a economia do vilarejo, porém, o alto índice de assaltantes e estupradores que rondavam as estradas dos Montes de Om'rai, desencorajava a visita de ambulantes, o que tornava cada vez mais difícil a vida dos pastores e artesãos de Mambré.

     Marylia e Dirceu se conheceram durante o período de catequese na igrejinha do vilarejo. A formosura de Marylia logo encantou Dirceu, ela era uma moça alta, de cabelos loiros-escuros e um olhar profundo e contemplativo, tinha a pele rosada, beijada pelo sol, seus olhos azuis e o sorriso bem contornado enfeitiçavam o rapaz. Dirceu por sua vez não possuía beleza que atraísse o olhar, era um homem magro, com poucos músculos, possuía um cabelo castanho-amadeirado, que se unia a farta barba, envelhecendo um pouco o seu aspecto. Era dado ao trabalho duro, trazia calos nas mãos e nas solas dos pés, não gostava de sorrir e revelar os dentes um pouco tortos, porém, sua gentileza e prestatividade o ajudaram a nunca se sentir isolado, por onde passara, Dirceu fazia amizades.

     Quando Marylia "tornou-se mulher", os pais de Dirceu arranjaram o casamento para o filho, o que foi certamente, uma ótima notícia para ele. O jovem casal sempre teve dificuldades de se tornarem pais. Já haviam se casado há seis anos, e apenas duas vezes a mulher engravidara, no entanto, as gestações não passavam da décima semana. Era a primeira vez que um bebê havia completado oito meses de vida no ventre de Marylia, fato este que enchera o casal de sonhos e projetos para o sucessor do clã.

     A família Aoire era a mais antiga na tradição pastoril. Dirceu Aoire era o quarto irmão de uma família com oito filhos, sendo eles três mulheres e cinco homens. Embora no passado sua família fora uma das mais ricas do vilarejo, essa realidade já não poderia mais ser afirmada, assim que seu pai falecera, Dirceu teve que se contentar em ter sua herança resumida a um pequeno pedaço de terra em uma região pedregosa. Com o dote de sua esposa, o pastor desafortunado pôde comprar suas primeiras cabeças de cabritos, trazendo um fiapo de esperança para o filho que sua esposa carregara no ventre.

     A casa que abrigara a família de pastores era muito simples e rústica, ficava no pé de um morro e era feita de madeira acinzentada dos ciprestes italônicos, em cima do telhado, uma chaminé pequenina soltava tragos de fumaça, apontando vida e calor na paisagem. Rodeada por uma pequena mureta de pedras calcárias, a residência quebrava a monotemática dos pastos e pedreiras empalidecidas daquela região do vilarejo.

     Na noite anterior, o casal ficara muito preocupado com a saúde da estranha vista que chegara de forma tão inusitada em sua residência. Após desmaiar exausta, a jovem garota só recobrou a consciência quando o sol se fazia alto, iluminando as gramíneas ressequidas nas pastagens da região. Acordou e tão logo, Marylia já havia preparado um banho quente para a sua hóspede. Na mesa do casal, não havia muita fartura, um ensopado de legumes, pão-preto e algumas iscas de charque estavam servidas para o almoço. A pequena figura ruiva, mal pode se conter ao sentir o aroma da refeição, lambuzava-se com o caldo da sopa, e o molho do charque escorria entre os dedos, parecia que não comia há dias.

Inquisição - Crônicas do ImpérioOnde histórias criam vida. Descubra agora