Renegado

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- É... Eu sei... Vocês estavam com saudades de mim! – exclamou a sorridente Sophie ao chegar ao Portão do Amanhecer, acompanhada por James, naquela manhã acinzentada.

     O clima estava úmido e melancólico, o ar parecia granulado, e pequenas gotículas de água congelavam as pontas dos narizes, a respiração quente produzia naquela atmosfera baforadas de fumaça esbranquiçada, o que fazia lembrar sopro de dragões. O sol mal havia surgido e Sophie já havia se levantado, com o cabelo desalinhado, os olhos parcialmente fechados pelo sono transpareciam o esforço brutal que faziam para se manter atentos, a recém nomeada inquisidora lavou seu rosto e espreguiçou-se apressadamente, estava ansiosa por seu primeiro dia no Santo Ofício.

- Faz tempo que não vejo alguém tão ansioso para entrar no moedor de carnes. – disse num sorriso de canto de boca, um dos guardas do Portão ao seu companheiro de trabalho, em resposta a saudação da jovem.

     Logo que o portão se abriu, a dupla de calouros adentrou pelo gramado enlameado de orvalho, em direção ao edifício rochoso dos inquisidores tollserianos. No salão principal, uma lareira ardia ainda com timidez, a luz produzida pelas chamas auxiliava a iluminação dos escassos castiçais distribuídos nas colunas da mansão, o odor da cera derretida se misturava com o ardor da fumaça da lenha crepitante, as paredes de pedra vertiam pequenas gotas de sereno, e por mais que aquela casa parecesse sombria na primeira impressão, seu interior revelava um ambiente confortável e sereno.

- Chegaram cedo. – Apontou uma voz macia que acabara de aparecer no recinto. Logo atrás de James e Sophie, uma silhueta feminina se aproximara com passos delicados.

     Alília Airgeard acabara de fechar a grande porta principal, protegendo os inquisidores do mau tempo matutino. A meia-luz do recinto refletida nas superfícies das pedras umedecidas adornava com tons amarelos e alaranjados aquela figura feminina, como uma composição artista e melódica de uma aquarela. A moça era sem dúvida dotada de uma beleza nórdica. Branca e rosada, sua pele parecia ser revestida de uma fina camada de porcelana oriental, seus cabelos eram loiro-dourados, compridos e penteados numa trança, caiam delicadamente até a altura do quadril, suas mãos nuas, revelavam dedos pequenos e delicados, ágeis e precisos na arte do arco. Seus lábios eram saborosos, tinham cor de rosa-do-mato, marcantes e viçosos, chamavam a atenção. A garota gostava de revesti-los com geleia real, o que trazia ao recinto um perfume suave de mel silvestre.

     Alília gostava de trajar vestes de linho e seda, macias e confortáveis com detalhes em azul-oceano e prata, cores encontradas no brasão Airgeard, seu vestido era longo, marcado por um corpete de couro negro e veludo anil, trançado firme para demarcar a cintura. Nas costas, trazia consigo um suporte de flechas, adornado com pequenas incisões que formavam folhas de figueiras no alto relevo, portava em seu interior uma dúzia de hastes de ciprestes-de-bárion, com pontas forjadas da mais fina prata e nas bases penas de corvos negros, a arma sutil e certeira era a companheira ideal e inseparável daquela que era conhecida como a Dama da Aurora.

- Olá... – balbuciou Sophie à nova integrante da sala de espera. – Acho que não fomos apresentadas ainda. Sou Sophie Darach. – disse-lhe enquanto estendia-lhe a mão.

- Eu a conheço, estava em sua missa de ingressão. – Afirmou a bela arqueira, num aperto de mão cordial. – E você deve ser o jovem James... Como está seu braço? – dirigiu a palavra ao parceiro de Sophie.

- Sim, sim. – respondeu num solavanco.

     James estava tão disperso naquela manhã que pouco havia absorvido do que a moça havia dito desde que entrara na sala. Seus pensamentos estavam turvos e embaralhados, estava perturbado com o sonho que tivera na noite anterior. Acordara naquela madrugada banhado de suor e lágrimas. No seu leito, havia sido perturbado por um pesadelo que recorrentemente lhe visitava a noite; nele, o jovem Dragon fugia desesperadamente de uma figura demoníaca em cima de um telhado, não consegui discernir o que procurava apanhá-lo, era sempre uma sombra diabólica e feroz, que violentamente grunhia e avançava contra o rapaz. Sempre o cenário era o mesmo, o alto de uma construção no ápice da noite, o céu era iluminado pela lua cheia, e ao redor não havia ninguém a quem James pudesse recorrer. O sonho encerrava sempre da mesma maneira, com o jovem pulando em um precipício, fugindo desesperadamente do demônio que o perseguia.

Inquisição - Crônicas do ImpérioOnde histórias criam vida. Descubra agora