Ressaca.
Talvez tivesse bebido mais do que se lembrava. Essa dor de cabeça não podia ser só efeito daquelas cervejas.
Passou o resto da semana dividida entre seus textos, pensar sobre a roupa para o tal casamento e se perguntar porque Ricardo não estava em nenhuma rede social em pleno século 21. Trocaram algumas mensagens rápidas pelo celular, mas ele realmente parecia avesso à tecnologia.
Clarinha andava pulando, ainda sem conseguir colocar um dos pés no chão com segurança. Mas ainda assim parecia mais inquieta do que nunca, de um lado para o outro da casa tirando fotografias, planejando mudanças, aprovando e reprovando as roupas que Laura escolhia para o evento do final de semana. A escolha final de Clarinha para irmã foi um vestido rendado verde, que contrastava perfeitamente com os cabelos vermelhos lisos e soltos. Tinha as costas nuas e ia até uns três dedinhos acima da joelho.
_ Nossa mana, quanta roupa. Me enganou chegando aqui só com aquela malinha.
_ Mandei a maioria em caixas quando veio a mudança. Não tive cabeça ainda para separar o que não me interessa mais.
_ Vai desculpando a sinceridade, mas a vida noturna aqui não me parece tão movimentada para você usar essas coisas. - e mostrou uma mini saia pesada toda bordada em lantejoulas coloridas.
_ É, eu já percebi. - respondeu com a mágoa na voz que só alguém que chegou com look matador em um bar simples pode ter.
Era uma pena. Gostava da noite. Gostava do barulho das boates e conhecer gente nova que se tornaria completos estranhos no dia seguinte. Adorava ficar na rua até ver as primeiras cores do sol nascendo. E isso parecia bem distante agora.
***
Chegou o sábado, e Laura se pôs linda. Cabelo solto, maquiagem leve e saltinho baixo. Tomou o cuidado de não exagerar na produção para não se sentir novamente deslocada.
Tia Mercê também estava linda em um vestido azul super discreto, os cabelos escuros amarrados em um coque e brincos de pérola. Seus traços mais masculinos do que o comum eram visíveis, ainda assim o que via era uma mulher linda que não se envergonhava das marcas da idade.
Foram na caminhonete velha e barulhenta, tornando inevitável que todos se virassem para ver quando chegaram. Era um sítio bem grande com árvores altas e muita sombra. Tudo estava lindo, decorado com rosas vermelhas e fitas brancas. Laura não fazia ideia de quem eram os noivos ou aqueles convidados, mas as pessoas pareciam conhece-la.
Tia Mercê passava confortavelmente entre todos, cumprimentava, perguntava sobre a família. E então a Laura teve um insight, subitamente entendeu porque Mercedez queria tanto estar nessa cidade enquanto a velhice chegava. Aquelas pessoas a conheciam de uma vida inteira. Sabiam da sua luta e do seu caráter, a tratavam com respeito, como a mulher que de fato era. Lógico que havia fofocas e comentários, aquilo era uma cidade pequena aonde o maior entretenimento era a vida alheia. Mas o que importava mesmo é que ali a tia poderia ter uma vida normal. Alegrava-se por isso.
Sentiu o celular vibrar. Era uma mensagem de Ricardo. "Desculpa, não poderei ir. Emergência médica. Passo à noite na sua casa."
Ótimo. O único motivo para estar indo contra sua interna explosão anti social não estaria presente. Merda! Vamos lá sustentar o sorriso e fazer a simpática. Qualquer sinal de antipatia faria tia Mercê mata-la bem devagar e dolorosamente.
_ Pensei que você não estaria livre para o final de semana. - era Leonardo, o professor de Clarinha e seu colega de infância. Incrivelmente lindo em uma blusa amarela que fazia-o parecer ainda mais bronzeado.
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Dia e Noite se completam
RomanceLaura teve que abandonar os sonhos de uma carreira promissora em nome da família que ama incondicionalmente. Mesmo quando estava fechada para todas as possibilidades de se envolver, encontrou um amor que a esquenta como o dia, e outro que a acalma c...