Capítulo V

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Ressaca.

Talvez tivesse bebido mais do que se lembrava. Essa dor de cabeça não podia ser só efeito daquelas cervejas.

Passou o resto da semana dividida entre seus textos, pensar sobre a roupa para o tal casamento e se perguntar porque Ricardo não estava em nenhuma rede social em pleno século 21. Trocaram algumas mensagens rápidas pelo celular, mas ele realmente parecia avesso à tecnologia.

Clarinha andava pulando, ainda sem conseguir colocar um dos pés no chão com segurança. Mas ainda assim parecia mais inquieta do que nunca, de um lado para o outro da casa tirando fotografias, planejando mudanças, aprovando e reprovando as roupas que Laura escolhia para o evento do final de semana. A escolha final de Clarinha para irmã foi um vestido rendado verde, que contrastava perfeitamente com os cabelos vermelhos lisos e soltos. Tinha as costas nuas e ia até uns três dedinhos acima da joelho.

_ Nossa mana, quanta roupa. Me enganou chegando aqui só com aquela malinha.

_ Mandei a maioria em caixas quando veio a mudança. Não tive cabeça ainda para separar o que não me interessa mais.

_ Vai desculpando a sinceridade, mas a vida noturna aqui não me parece tão movimentada para você usar essas coisas. - e mostrou uma mini saia pesada toda bordada em lantejoulas coloridas.

_ É, eu já percebi. - respondeu com a mágoa na voz que só alguém que chegou com look matador em um bar simples pode ter.

Era uma pena. Gostava da noite. Gostava do barulho das boates e conhecer gente nova que se tornaria completos estranhos no dia seguinte. Adorava ficar na rua até ver as primeiras cores do sol nascendo. E isso parecia bem distante agora.

***

Chegou o sábado, e Laura se pôs linda. Cabelo solto, maquiagem leve e saltinho baixo. Tomou o cuidado de não exagerar na produção para não se sentir novamente deslocada.

Tia Mercê também estava linda em um vestido azul super discreto, os cabelos escuros amarrados em um coque e brincos de pérola. Seus traços mais masculinos do que o comum eram visíveis, ainda assim o que via era uma mulher linda que não se envergonhava das marcas da idade.

Foram na caminhonete velha e barulhenta, tornando inevitável que todos se virassem para ver quando chegaram. Era um sítio bem grande com árvores altas e muita sombra. Tudo estava lindo, decorado com rosas vermelhas e fitas brancas. Laura não fazia ideia de quem eram os noivos ou aqueles convidados, mas as pessoas pareciam conhece-la.

Tia Mercê passava confortavelmente entre todos, cumprimentava, perguntava sobre a família. E então a Laura teve um insight, subitamente entendeu porque Mercedez queria tanto estar nessa cidade enquanto a velhice chegava. Aquelas pessoas a conheciam de uma vida inteira. Sabiam da sua luta e do seu caráter, a tratavam com respeito, como a mulher que de fato era. Lógico que havia fofocas e comentários, aquilo era uma cidade pequena aonde o maior entretenimento era a vida alheia. Mas o que importava mesmo é que ali a tia poderia ter uma vida normal. Alegrava-se por isso.

Sentiu o celular vibrar. Era uma mensagem de Ricardo. "Desculpa, não poderei ir. Emergência médica. Passo à noite na sua casa."

Ótimo. O único motivo para estar indo contra sua interna explosão anti social não estaria presente. Merda! Vamos lá sustentar o sorriso e fazer a simpática. Qualquer sinal de antipatia faria tia Mercê mata-la bem devagar e dolorosamente.

_ Pensei que você não estaria livre para o final de semana. - era Leonardo, o professor de Clarinha e seu colega de infância. Incrivelmente lindo em uma blusa amarela que fazia-o parecer ainda mais bronzeado.

Dia e Noite se completamOnde histórias criam vida. Descubra agora