Ária não tinha entendido ou presenciado os últimos acontecimentos tanto quanto eu ao lado de Charlotte. Passado o susto, se moveu rapidamente em direção a garota e lhe envolveu com um dos braços agradecida por encontrar mais alguém ainda vivo independentemente de como tinham se comportado em relação uma à outra anteriormente. Contudo, a sua atitude anterior me fez repensar o que sabia da garota e vendo-a agora e o que havia em suas mãos, consegui juntar algumas ideias que momentos atrás se amontoavam em minha cabeça sem uma ordem específica. Charlotte tinha nos abandonado no corredor mesmo percebendo que certamente morreríamos. Talvez fosse o instinto de sobrevivência falando por si. Ela era mais atlética, capaz de escapar com facilidade caso não houvesse que se preocupar com os outros...
Seu olhar naquele momento tinha sido o aspecto mais visível nos poucos segundos que tive tempo antes de reagir ao ataque iminente da alcateia. Ela já parecia ser durona de qualquer forma, mas algo estranho tinha se alojado em sua fisionomia e de repente, por um instante, não parecia mais ser a mesma pessoa, mais como se tivesse escondido sua verdadeira personalidade ou suas diferentes facetas por baixo de uma máscara. Ária falava e falava frente a garota, mas ela não lhe dava atenção mantendo seu olhar fixo no meu, que não desviei por um segundo sequer. Ambos parecíamos enraizados nos mesmos lugares examinando um ao outro. Novamente voltei a atenção aos papeis em sua mão e recordei a falta que uma ficha fazia nos arquivos na sala da diretoria.
- Posso ver? – Estendi o braço ao passo que me aproximava e a vi recuar alguns centímetros.
- Verdade. – Ária se intrometeu fazendo uma expressão de confusão. – O que é isso que você tem aí?
Ela nos olhou semicerrando o olhar e sempre alternando entre nós como uma precaução em relação a quem daria o primeiro passo em sua direção. Isso a deixava mais intimidadora quando se relacionava ao sangue em seu corpo. Mas tão de repente como foi da primeira vez, ela suavizou a expressão e pareceu um pouco perplexa a me ver. Seu corpo deu uma leve tremedeira e logo a vi impulsionasse a frente e me dar um abraço repentino. Não soube o que fazer.
- Me desculpe. – Disse contendo um soluço. – Digo, pelo que fiz com vocês dois. – Ela olhou por trás de mim e começou a caminhar, Ária e eu seguimos, porém um pouco menos acelerados.
Até mesmo a garota ao meu lado que não tinha visto tantas situações achou aquele comportamento um tanto desordenado. Houvesse ou não acontecido alguma coisa, Charlotte não estava batendo bem. A vimos parar próxima a entrada e então selar a porta com uma corda fina que percebi tirar do casaco. Ela envolveu a maçaneta e então com a outra extremidade da corda, amarrou um gancho próximo e seguiu diminuindo o vão que a entrada ainda produzia. Seria uma forma de impedir os lobos por alguns segundos, mas aquilo logicamente não serviria tanto para o propósito já que a madeira não estava em boas condições.
- E os outros? – Perguntou ao se virar e nos ver parados ao longo do corredor que se prolongava à direita. – Vocês os viram? Cadê o Will, Uryah?
- Nós não sabemos. – Foi Ária quem lhe deu uma resposta. – Otto e ele estavam com a gente, mas... aconteceu alguns problemas....
- Estão mortos?
- Não, pelo que sabemos. – Estreitei o olhar vendo a preocupação em sua fala, mas me senti em estado de alerta ao não entender as oscilações que partiam da garota. – O que são esses papeis que você está carregando?
Ela amassou mais ainda as folhas ao fechar mais os dedos. Ária iluminou a distância que nos separava, contudo, abaixei seu braço rapidamente antes que a luz passasse pelas frestas e alertasse um possível lobo que tivesse passando em algum ponto do corredor. Charlotte se afastou da entrada e foi vindo em nosso sentido, sua expressão já estava transformada, mas percebi quando foi suavizada. Ela passou por nós suspirando.
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É ASSIM QUE EU MORRO
Mystery / ThrillerSleepy Fields é uma cidade pequena de um país ao norte. O fato de ser incrivelmente parada a torna uma forte influente na melancolia generalizada. Me chamo Uriah e sou um dos poucos moradores que ainda residem aqui. Tentando quebrar a monotonia em q...