Capítulo 1| Vozes da primavera em um café

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Semana passada no metrô havia um casal sentados um do lado do outro abraçados, por um curto momento senti aquela pontada de inveja. "Que fofos" — pensei, mas logo depois já me surgiu uma agonia pois o clima não estava muito agradável, estava quente e abafado no vagão em que estávamos. Sempre precisei utilizar o transporte público para poder sair, para a escola, trabalho, faculdade, etc. Já presenciei cada situação... Umas estranhas e outras um tanto cômicas que até vale a pena ficar em pé às vezes. Estou morando longe do centro urbano nesses últimos anos, e nesse dia estava indo ao consultório médico para coletar amostras de sangue para um exame de rotina. Andava meio cansada demais, ou pelo menos mais do que o normal, suspeitei de anemia, mas para desencargo de consciência achei melhor seguir o conselho de minha tia Rose e ir tirar a dúvida. Na saída do consultório médico resolvi ir dar uma paradinha na lanchonete, não havia tomado café da manhã antes de sair de casa. Sempre ia nesse lanchonete, várias vezes sozinhas, pois gosto de resolver minhas coisas no centro sem ninguém reclamando do calor ou do longo percurso a pé. É até uma terapia, ficar sozinha as vezes me trás conforto. "Sozinha", o borbulho de falas e barulhos metropolitanos acompanharam meu percurso até a lanchonete.

Eu entro no estabelecimento e fico aliviada de não estar lotado, me dirijo ao balcão já dando uma olhada nos salgados que estavam expostos sob o vidro.

— Bom dia, posso ajudar? – perguntou a atendente de trás do balcão ajeitando rapidamente seu avental.

Pensei muito olhando os salgados – a indecisão sempre me consome em situações assim, odeio. Mas por fim pedi o de sempre.

— Bom dia, a senhora pode me fazer um misto simples? Com café preto, por favor.

— Posso sim, pode se sentar que eu já levo para você – disse já se virando para os pães. Não há quase ninguém aqui, mas é engraçado a forma que ela mantém o pique como se tivesse uma fila enorme esperando.

Eu lembro muito bem do que se procedeu a seguir. Estava lá eu, sentada apoiada na mesa redonda e pequena da lanchonete, dando uma checada nas notificações do meu celular. Mandei uma mensagem para minha tia avisando que estava tudo bem, para não preocupá-la. O acento que eu havia escolhido ficava um pouco no fundo da lanchonete, o que me dava uma visão periférica da entrada, do balcão e do caixa. Estava conferindo minha agenda quando ele entrou. Escutei primeiro sua voz, havia pedido o mesmo que eu, levantei a cabeça e me dei de cara com um homem alto, de ombros largos, sobrancelhas grossas, e cabelo ondulado castanho escuro – cujo estava preso de uma forma muito desajeitada. Sua pele é de um tom mais moreno que a minha, esbelto de certa forma. O tinha visto de perfil apenas, pois quando se virou para escolher o assento eu disfarcei o olhar.

Geralmente, não costumo ficar obcecada em prestar tanta atenção assim em rapazes. Mas tinha algo nele que me deixava curiosa – talvez por eu nunca ter o visto antes, tenho o costume de vir tomar um cafezinho aqui toda semana. A curiosidade que eu desenvolvi ali foi o que me encantou, pode até ser uma desculpa para encobrir essa prematura paixonite mas de fato eu não tinha muito o que fazer. 

Continuei minha observação de forma discreta. Usava roupas de tons escuros e sem estampas, bem simples e casuais, a não ser pela jaqueta jeans de um verde militar muito bonito, me lembrava o musgo que estava crescendo no jardim de casa. Parecia ter mais ou menos a minha idade, ou no máximo eu o daria uns 26 anos. Tirou a jaqueta – o dia estava mesmo mais quente que o normal, e eram apenas 08:37 da manhã – colocando-a sobre a cadeira, e logo após se sentando duas mesas antes da minha, de costas para mim, para a minha frustração, pois apenas podia vê-lo quando ele virava o rosto para o lado.

Eu já estava atrasada para ir a faculdade então tive que sair da lanchonete, nem ousei virar meu rosto para trás, para ver ele melhor, apenas paguei e saí rapidamente da lanchonete. Com certeza ele iria perceber e eu ficaria sem graça. Limpei minha mente pois não o veria novamente, nunca alimento tal tipo de fantasia.

Uma semana depois disso, estou me lembrando desse momento, pois o protagonista dessa cena está aqui novamente.

Ele deve gostar muito de vir aqui...Deve tomar café aqui antes de ir trabalhar aposto, nunca venho aqui tão cedo da manhã.– pensei que talvez fosse isso o motivo de eu vê-lo d e novo. Dessa vez vim aqui nesse horário para pegar o resultado dos meus exames. Estava tentando olhar para ele sem que ele percebesse quando de repente sou pega de surpresa pelo toque do meu celular.

É a tia Rose ligando, atendo o celular:

– Alô? - Atendo rapidamente, colocando minha xícara de café sobre a mesinha.

– Oi meu amor, você já saiu do consultório? – escuto o barulho das louças trincando no fundo.

– Já sim, vim tomar café aqui no centro. –Titia sabe que eu não gosto de pular o café da manhã, e geralmente saio tão cedo de casa que sempre levo algo para lanchar ou para comprar algo.

– O que o médico falou? – Diz ela com um tom de preocupação misturado com curiosidade.

– Ah, ele disse aquilo que eu já desconfiava. É algum tipo de anemia, disse que eu teria que fazer um pequeno tratamento para suprir a deficiência de ferro. – As últimas palavras saíram abafadas por uma mordida que eu dei no meu misto.

– Tratamento?!– escuto o barulho das louças caindo dentro da pia – Você não tem se alimentado direito, eu sabia! Aproveite que está aí no centro e já compre seus remédios. Ele te receitou alguns, não é?

- Sim, sim. Já estava indo na farmácia comprar. Relaxa tia. Vou comer direito e seguir com o tratamento não precisa se preocupar, prometo - falo na esperança da conversa não se alongar.

Ela reclama mais um pouco e se despede de mim com um quê de deboche, pedindo novamente para que eu não esqueça de comprar os medicamentos. Desligo a chamada e ponho o celular de volta na minha mochila. Volto a terminar meu lanche e quase esqueço que o carinha misterioso estava lá. Ele se levanta e vai para o caixa e eu volto a analisá-lo. Ele está usando botas hoje, e estão sujas de lama – será que ele trabalha numa construção? Ou pode ser que ele more longe do centro..– Quando interrompo meus pensamentos e levanto o olhar para seu rosto e me deparo com ele olhando para mim.

***

Um Estranho conhecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora