Capítulo 5 | Sorriso tímido e olhos brilhantes

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As gotas de chuva se chocam com força contra o vidro da janela, não há nenhum sinal de que essa chuva vai cessar por agora. Devo falar algo, esse silêncio preenchido por olhares sem graça está me deixando desconfortável.

一 Então...一 Pigarreio, chamando sua atenção. Você vai descer em qual parada?

一 Eu desço logo no final da linha 一 aponta para um mini mapa de percursos do trem pela cidade, estamos na linha amarela. 一 Minha casa fica próxima ao parque central.

Estava olhando no mapa e percebi que a casa de minha tia não ficava tão longe, mas geralmente eu desço uma quadra antes do parque. Sempre peguei a mesma linha, há anos, e eu nunca o vi. Ou será que eu nunca tinha reparado antes? De fato é muito estranho, não sou muito de conversar no transporte público mas eu gravo bem os rostos que descem comigo todo dia no mesmo ponto. Tem uma moça que é babá, um senhor que trabalha na floricultura perto do museu, a atendente da lanchonete que eu sempre vou, entre outros. Estanho...

Enquanto luto mentalmente por memórias em que eu já tenha o visto, uma voz grave e abafada me tira de meus pensamentos.

一 E você? Mora aqui por perto? 一 Diz ele enquanto tira sua jaqueta encharcada de água.

Faço "Sim" com a cabeça mas ele não percebe, está ocupado tentando desenganchar seu cabelo que ficou preso no zíper da jaqueta. 一 Eu desço um ponto antes de você, logo ali depois do mercadinho...V-Você, precisa de ajuda aí? 一 Interrompo sua batalha fugaz com sua jaqueta e faço um sinal com as mãos oferecendo minha ajuda.

一 AH! Essa droga sempre se prende aqui 一 como não ouvi uma resposta e ele parecia ficar cada vez mais irritado resolvi levantar para ajudá-lo mesmo assim. Eu sentei do seu lado e ele recuou um pouco, mas acabou virando para que eu pudesse tentar enxergar o problema.

O contorno da gola da jaqueta era todo enfeitado por zíperes, como o seu cabelo estava mal amarrado os fios se encaixaram perfeitamente entre os dentes do metal. Peguei uma pequena tesoura de unhas que tinha em minha bolsa, e cortei os fios rebeldes. Consegui sentir o alívio dele em poder mexer a cabeça novamente, tirou a jaqueta e colocou em seu colo. Quando se virou para mim percebeu a tesoura dourada em minha mão, e franziu as sobrancelhas.

一 Você...Você cortou? 一 ele disse olhando fixamente para a tesoura com seus fios enrolados.

Percebi seu desespero e senti graça da situação. 一 Ahh sim! Poxa, tive que cortar bastante para poder tirar o zíper daí. Se quiser eu posso acertar o corte.

Faço um sinal com a tesoura e ele engole seco, seu semblante ficou sério e assustado por alguns segundos. Libero uma risada frouxa quando ele passa a mão na nuca, provavelmente procurando a cena do crime.

一 Muito gentil de sua parte, obrigado. Mas eu passo. 一 Sua face relaxa e um pequeno sorriso relaxado aparece no canto de seus lábios carnudos. Ele ajeitou sua postura novamente no assento, e vira sua face em minha direção. 一 Posso te perguntar uma coisa? 一 Disse ele olhando fixamente para os meus olhos por alguns segundos. É a primeira vez que eu o vejo de tão perto, sua íris possui uma cor brilhante que é ofuscada por seu olhar estreito. Avisto algo que não tinha percebido até então. Uma pequena pinta pousa no canto do seu sorriso, muito pequena mas que produz um efeito charmoso. Esses pequenos milésimos de análise se vão, passo minha atenção para a pergunta sobre a pergunta. Desvio meu olhar para qualquer outro canto que não seja para ele.

一 Fique à vontade... 一 Digo dando no final um leve sorriso tímido, despretensiosamente.

一 Qual é o seu nome? 一 ele fala fazendo uma careta, como se estivesse muito, muito mesmo, tentando adivinhar qual seria meu nome. Fiquei surpresa, pois sua voz demonstrou um pouco de desinteresse mas seus gestos são cheios de curiosidade. Como se estivesse sempre no limite, para não parecer envolvido demais por qualquer coisa.

Um Estranho conhecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora