Capítulo 2| O começo de uma leve obsessão

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Não consegui pensar em nenhuma desculpa plausível de eu estar ali o observando tão descaradamente, apenas congelei e torci para que ele não achasse nada.

Para meu alívio, o contato visual foi quebrado pelo moço do caixa — Vai querer seu recibo senhor? — o cara misterioso volta sua atenção instantaneamente para o caixa e acena que sim, pegando suas coisas e indo embora.

A cena toda não durou 3 segundos, mas foi o bastante pra me deixar completamente envergonhada. Antes de atravessar a rua, ele olha para trás, me vê e dá um leve sorriso de canto da boca – sinceramente achei que estava debochando da minha cara de surpresa em ser pega o encarando. Mas, eu espero que tenha sido um sorriso amigável e gentil, pois foi isso que eu aceitei como verdade.

Antes de retribuir o sorriso eu olho para trás. Averiguando se não estava sendo encaminhado para outra pessoa, porém não havia ninguém atrás de mim. Ao me virar de volta , eu o vejo já atravessando a rua.

Deve ser brincadeira.. – Solto um leve suspiro voltando minha atenção para o mundo real. Terminei meu café e saí da lanchonete, seguindo para a faculdade onde eu estava terminando a revisão do meu trabalho de conclusão de curso. Geralmente, o trajeto que eu percorro da lanchonete à faculdade sempre é agradável e calmo, mas hoje está sendo fuzilado por inúmeros pensamentos.

''E se, na próxima vez que eu o ver, se eu ver ele novamente é claro, eu tentar falar algo? Ou puxar um assunto espontâneo... Não, não, é só coincidência, provavelmente não vou vê-lo de novo tão cedo. Mas e se acontecer? Vale a pena tentar, eu consigo" – ao andar pela parte florida do Campus, algumas borboletas passam próximo ao meu rosto. Aqui tem de todas as cores: azuis, laranjas, brancas e as minhas favoritas, as que são amarelas. Esse ambiente sempre me deixa nostálgica, parece ser encantado.

Quando eu era pequena, eu lia vários livros de fantasia e contos de fadas. Mantive essa tradição na minha adolescência, e fui ampliando meu leque de leitura para os gêneros de suspense, romances e ficção científica. Em geral me identificava com obras protagonizadas por garotas. E à medida que os livros que eu gostava iam se tornando mais complexos, – com histórias mais longas – eu me perguntava por que diabos a personagem principal pensava tanto.

Fui percebendo que essa certa situação me incomodava, quando eu estava na minha adolescência. Mesmo em obras diferentes, me via presa em páginas inteiras só de pensamentos melancólicos, frutos da imaginação da heroína. Ou até mesmo imensos flashbacks que nunca tinham fim, perfeitamente alocados para quebrar o ritmo frenético dos acontecimentos na história.

"Não é possível alguém bater tanto a cabeça assim com um probleminha tão simples" – eu pensava.

Era muito exaustante imaginar alguém debatendo tanto para sair de uma situação que poderia ser muito bem resolvida de maneira racional. Eu respeito meu eu de 16 anos, que não tinha preocupações de verdade. Mas lamento em dizer que, acabei me tornando o que ela mais achava patético. É a vida, não sabemos de nada até passarmos pelas coisas. As personagens que eu reclamava tanto, passavam por grandes aventuras, traiçoeiras e mortais, fazendo decisões de vida ou morte, traçando longos discursos consigo mesmas. É plausível, agora eu entendo, hoje em dia travo longos discursos comigo mesma para decidir se janto ou não; se corto o cabelo ou não. Se faço uma especialização, ou melhor, especialização em que? Que carreira combina mais comigo? Eu gosto de tudo. E sobre relacionamentos... Deus tenha dó de mim, não levo ninguém a sério.

Relacionamentos são muito complicados, é muita pressão. Me sinto incomodada em pensar em construir algo que talvez acabe em um mês. Espera, estou sendo boa demais, "que talvez acabe em duas semanas". Não que eu seja inalcançável, ou tenha altos padrões, longe disso. Mas não tive experiências boas, e isso moldou bastante meu medo de relacionamentos e de socializar com pessoas em geral.

Um dia meus amigos me perguntaram o que eu mais gostava em alguém. Algo que me faria apaixonar à primeira vista, fisicamente falando, alguma característica especial. E eu disse: "o sorriso" – pessoas com um sorriso maroto sempre me deixavam nas nuvens, independente de ser homem ou mulher. É o que eu provavelmente iria me apaixonar por alguém.

O sorriso dele, por exemplo. Não tinha um brilho no olhar, como se estivesse cansado, mesmo assim lhe caiu super bem. Estava com as mechas soltas, partes onduladas outras mais lisas, perfeitamente bagunçado. Tinha fios caindo sobre seu rosto, e tentava ajeitar eles colocando atrás da orelha, mas não durava muito. Estava com olheiras, evidenciando seu cansaço, mas tinha as maçãs do rosto bem coradas. Seu rosto era quadrado, com a mandíbula bem marcada. Um traço bem masculino, mas que contrastava com o sorriso meigo. O tipo de sorriso que te faz pensar "ou ele é muito conquistador, recordista de encontros de uma noite só. Ou ele é muito pra mim, impossível de eu o agradar".

Já na faculdade, tentei deixar meus pensamentos sobre o garoto misterioso abafados. Concluí o que podia, e na volta para casa comprei meus remédios. Eu devo seguir com eles durante seis meses, ou seja, até ano que vem. Já estamos acabando o segundo semestre do ano, e possivelmente vou me formar em breve.

***

O barulho do despertador me acorda, já se passaram uns quatro meses desde que eu o vi pela última vez. Para falar a verdade, não tenho mais esperanças de que vai acontecer novamente – me levanto e olho para o espelho – perfeita para matar alguém de susto – penso comigo mesma.

Escovo meus dentes e me arrumo para uma entrevista de emprego. Estou esperando o concurso estadual abrir para que eu possa me candidatar para professora de história. Enquanto isso, preciso arranjar um emprego para ajudar minha tia Rose. Eu fui recomendada para o museu daqui da cidade, ainda não sei o que vou fazer.. Mas estou otimista. A entrevista estava marcada para às 16 horas, nada pode dar errado, estou contando com isso.

Um Estranho conhecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora