São Paulo, 2015
- Se não quiser falar nada, podemos ficar aqui até o final do horário, não importa. Com tanto que fique à vontade...
Leila sorriu. Naquele dia em específico não queria sorrir, queria chorar. Havia descoberto fotos nada discretas no celular do marido. As mensagens eram menos discretas ainda. Todo tipo de termo sexual chulo era usado em diversas conversas com mulheres bem mais atraentes e jovens que ela.
Walter estava de plantão naquele dia, então para sua sorte não cruzou com ele. Se cruzasse, talvez não soubesse o que dizer. Talvez não diria nada. Talvez ficasse exatamente como ela estava naquele momento. Como se uma bola de golfe estivesse presa na sua garganta, a impedindo de falar, sorrir, respirar, viver. Leila queria explodir naquele momento. Talvez ela quisesse se jogar da janela que ficava atrás de sua cadeira, no consultório. Quatro andares abaixo e todos os problemas seriam resolvidos. Mas talvez ela não tivesse coragem também. Mas para o paciente nada disso precisava importar.
Aquele paciente em específico era o mais enigmático que havia recebido em anos. Era muito bonito também. Já fazia terapia há uns dois meses, mas pediu para trocar de psicólogo até chegar em Leila.
- A senhora acha a vingança uma boa forma de...resolver as coisas que nos atormentam?
Leila foi pega de surpresa e não escondeu isso na sua expressão facial.
- De quem você quer se vingar? E não precisa me chamar de senhora, por favor - Leila riu, nervosa.
Ele riu também. Era raro ver Rafael rir ou formular frases maiores que quatro ou cinco palavras. Leila sabia que ele era fotógrafo, e trabalhava com a irmã. Nada muito além. Também sabia sobre sua família disfuncional na infância, mas nada além também.
- Já te contei a minha história pra sen...pra você desculpe. Chamar de senhora pode parecer formal demais, ainda mais para você que é uma mulher jovem.
Leila sorriu involuntariamente. Que raiva! Ela não podia ter sorrido involuntariamente daquela forma para um paciente bonito e jovem!
- Aposto que mal passou dos trinta - Ele complementou e sorriu, mostrando dentes compridos.
- A conversa deveria ser sobre você, não acha? E também você não me deu muitos detalhes da sua história? Que tal começar a falar mais sobre sua infância?
- Você vai querer chorar se eu te contar as coisas que meu eu criança ouvia - Ele gargalhou.
- Já estou preparada. E você?
***
O mundo estava desabando em Odille, literalmente. Parecia que o destino queria deixar o clima mais dramático. O botão de abrir o portão quis entrar de greve. Foram dezenas de tentativas em meio a um temporal que crescia, em vento, água e relâmpagos.
- Desgraça!
Ou a água daquela chuva estava mais pesada do que nunca ou realmente o corpo de Corina estava frágil como um palito de dente. Ela estava quase sentando na calçada de casa em meio ao aguaceiro do fim de tarde, quando a chave (que também queria entrar em greve) abriu o portão.
Ao entrar na sala, acendeu as luzes e se jogou no sofá, não importando o quanto ele iria ficar encharcado. Não parou de pensar um segundo sequer em Ernesto e no fantasma dele que ainda a acompanhava. Corina nem ousou olhar para alguma superfície que refletisse algo. O reflexo mostraria Ernesto e sua inominável esposa. Não a mãe de Corina, mas a esposa terrível que ele tinha, seu monstro particular.
***
Bernardo empacotou a última coisa importante daquele lugar: um porta retrato, dele e de Alice, que ela guardava com amor. Seu coração acelerava cada vez que pensava que não iria mais ver Alice. Nunca mais. A maioria das coisas já havia sido encaixotadas. O apartamento iria ser desalugado e Alice... Alice não voltaria.
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A terra que ninguém conhece
Mystery / ThrillerSão Paulo, 1986. Mesmo apaixonada por outra pessoa, Júlia Vasconcelos estava prestes a se casar. No dia da cerimônia, no entanto, um crime interrompeu a entrada da noiva na capela do Hotel Rancho Azul, gerando um clima de desconfiança e intriga entr...