São Paulo- SP, 2015
- Trinta mil reais e não se fala mais nisso.
- O quê? Ficou louco? - Júlia parou de comer.
Eles estavam na mesa mais afastada de um restaurante, por si só, discreto e um tanto mal iluminado.
- Eu não tenho todo esse dinheiro! Isso acaba aqui - disse, se preparando para ir embora.
- Calma, mulher! - Walter riu - Eu já te mostrei fotos, material suficiente pra você saber que eu não brinco em serviço. Eu conheço ele, tem fama de bom samaritano, filantropo. Sou da polícia, já falei. Dou carta branca pra tu matar esse bandido, se tu quiser. Finjo que nem te conheço.
Walter bebeu um pouco de vinho e assobiou, chamando a atenção de Júlia que semicerrou os olhos.
- Delícia! - Ele disse, levantando a taça.
- Acho que a gente tá se falando a tempo suficiente pra você me contar, por que esse interesse todo em destruir a reputação desse aí que você diz ser o Jorge? Não é altruísmo, por favor, eu não sou burra.
- Ele é uma pessoa influente, é tudo o que eu posso te dizer. Eu quero me candidatar... quer dizer, queria me candidatar a um - Walter fez uma pausa, como se fosse arrotar, mas não o fez - a um cargo político. Fiquei sabendo nos bastidores que o senhor boçal não aceitou muito bem a minha entrada no partido. Ele já tá lá a mais tempo, então...
- Quer ver ele fora, é isso?
Walter apenas confirmou com a cabeça.
- Bom, eu não tenho trinta mil reais agora, sinto muito - Júlia disse, tomando o último gole da taça.
- Não tem problema, a gente pode resolver de outra forma - Walter piscou.
Júlia tentou ficar séria, mas Walter era uma mistura de charme com uma cafonice cafajeste de mafioso de Hollywood.
- Eu não faço esse tipo de trabalho, já te falei.
- Então deixa os valores pra depois, mas que eu quero passar a noite contigo, eu quero - ele piscou.
Júlia gargalhou de vez, e Walter não ficou atrás.
- Pena que você não é casado - Júlia pegou nas mãos dele - Eu só funciono com homem comprometido, desculpe.
- Mas sou viúvo, serve? - Walter piscou outra vez.
***
- Eu esperei tanto por esse momento -Júlia esboçou um sorriso assustador.
Os olhos de Fernando continuavam arregalados.
- É tão bom ver você assim, com medo - ela disse.
Os cabelos longos cacheados estavam mais claros, a pele tinha mais linhas de expressão, mas nada que a deixasse feia. As sobrancelhas não tinham ficado finas com o tempo, mas estavam menos escuras e marcadas. Seus olhos estavam mais caídos, mas a insolência verde deles estava preservada. Sua pele brilhava e a maquiagem dava indícios de que iria derreter.
- Você não faz ideia do quanto eu precisava te achar. Nem eu fazia ideia, já que você tava morto pra todo mundo. Mas eu reconheceria você em qualquer lugar do mundo, escondido como fosse. E você foi logo se esconder como homem de Deus? Que falta de criatividade! - Júlia chegou mais perto da janelinha - Sabe por que eu soube que era você? Porque eu nunca esqueci do nosso último encontro. Das coisas que você disse. Do seu olhar pra mim, quando eu tinha acabado de abortar. O monstro que você é, sempre me assombrou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A terra que ninguém conhece
Misterio / SuspensoSão Paulo, 1986. Mesmo apaixonada por outra pessoa, Júlia Vasconcelos estava prestes a se casar. No dia da cerimônia, no entanto, um crime interrompeu a entrada da noiva na capela do Hotel Rancho Azul, gerando um clima de desconfiança e intriga entr...