Capítulo trinta e seis - Asfixias

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— E a polícia ouviu hoje um novo depoimento de Estela Damasceno, mãe da estilista Débora Damasceno e acusada de cúmplice no assassinato do próprio genro, em Odille, interior paulista. Ela confessou estar envolvida no massacre do Rancho Azul, ocorrido em 1986, quando um atirador entrou no antigo hotel e fez várias vítimas, incluindo a dona do local.

Os olhos de Bernardo congelaram na foto de Estela exibida em alta definição na TV. Suas mãos suaram quando a foto de Lincoln também apareceu. Foi dito na reportagem que Estela havia dado o tiro que matou Lincoln. Bernardo não estava acreditando. Sua vista foi ficando turva, seus pensamentos se embaralharam e seu corpo pendeu para o lado. A última coisa que sentiu antes de fechar os olhos, além de seu coração palpitando há 200 km/h, foram as mãos de Rosângela no seu rosto.

***

— Corina, você não acha que pode estar se martirizando demais?

Bárbara ajeitou os óculos e esboçou um sorriso. Corina sorriu de volta e respirou fundo.

— Talvez

— E o que você sente com isso? Quando pensa nesse mal? Que por acaso você me prometeu contar — ela riu.

— Um dia eu conto...

— Sem pressa — Bárbara sorriu mais uma vez.

— Mas eu sinto vergonha, medo, mas ao mesmo tempo... sinto que eu era muito nova e agi por impulso.

— Do que sentia medo? — Bárbara olhou para sua prancheta e anotou algo.

Corina respirou fundo e seu pé quis balançar sozinho.

— De não me compreenderem, de perder mais oportunidade que o normal. Tinha medo de não ter um futuro. Medo de ninguém se colocar no meu lugar. Só quis me defender. E nesse país, as pessoas tendem a não ouvir pessoas como eu.

— Você ainda sente isso?

— Todos os dias.

— Você sente dúvidas sobre a motivação que te levou a fazer isso?

Corina ficou em silêncio. Procurou nas memórias e viu elas confusas como um borrão.

— Desculpe, não entendi — As mãos de Corina tremeram.

— Você sente alguma dúvida sobre o que te motivou? Por vingança, ou só por defesa, ou pelos dois?

— Acho que é disso que eu tenho medo — Corina fechou os olhos por um instante — De reconhecer que não foi só por defesa.

— Você me contou que achou a pessoa que foi responsável pela morte de seu pai. Como estamos com isso?

— Eu não esperava por aquilo, mas as coisas foram acontecendo, eu estava envolvida com outra caso, havia uma barreira profissional, sabe? Mas as coisas foram se afunilando. A vida é estranha.

— E como está?

— O monstro que matou meu pai — Corina respirou fundo.

— Não tem problema — Bárbara disse.

— Ela pode estar ligada a outro crime, além da história que ela tá envolvida e eu... poderia jogar ela atrás das grades logo. Poderia agir...

Corina mirou em seus sapatos.

— Como um monstro?

— Mais ou menos, acho que sim.

— Você tem evidências contra ela, para esse outro crime?

— Concretas não, mas todas as outras evidências apontam pra ela.

— Sinto que você quer muito buscá-las — Bárbara arqueou a sobrancelha.

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