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E há certas coisas que eu adoro

E há certas coisas que eu ignoro. Mas estou certo de que eu sou seu

 (Certain Things – James Arthur feat. Chasing Grace)


Os dias de terça, quinta e sexta feira eram os meus favoritos. Não só pelo fato de não serem segunda, mas simplesmente pelo fato de que estaria em um dos lugares que eu mais amo.

A clínica de reabilitação Reborn

Eu sei que isso parece ser meio estranho, meus amigos diziam que isso era aparentemente bizarro. Mas eu gostava de estar aqui, gostava de saber que as pessoas viriam pelo fato de quererem uma segunda chance, e eu, a primeira da fila gostava de saber que poderia lhes dar uma escolha.

Mas isso só são alguns pontos importantes na grande lista de características de Lyric Thompson. E eu também podia ser estranhamente normal, tinha estágio na clínica particular da cidade, onde tinha alguns pacientes e estava a todo momento colada em alguma psicóloga ou psiquiatra, anotando tudo o que eu via ou o que eu deixava de ver.

Viu? Absolutamente normal

- A porta do seu carro está meio estranha – pisco sobre o sol e olho por cima dos óculos escuros a pessoa meio escondida em uma das paredes do estacionamento ao ar livre

Sorrio vendo Georgia e olho em direção ao carro. Ele não estava bem, isso é certo, mas também ele não estava tão mal e funcionava. O problema dele era só alguns probleminhas, um amassado na esquerda, um arranhão na direita, um trincado no espelho.... Coisas bobas

- Ela não está estranha, é só o charme dela – comento fechando a porta e a trancando logo em seguida. Georgia bufa e quase inconscientemente dá um passo para trás deixando somente sua bolsa na frente.

Georgia, nossa pequena senhora de cinquenta anos de aparência modesta que sempre carregava a mesma bolsa para onde fosse, era moradora de um dos apartamentos disponíveis pela cidade que faziam parte do programa da clínica. A regra era bastante simples: Tinham moradias grátis se participassem de todas as reuniões e fizesse todos os exames necessários para comprovar que estavam de fato tentando sair do vício.

Alguns mentiam, outros tentavam ludibriar e outros roubavam os utensílios disponíveis nos apartamentos, mas sabíamos que corríamos esse risco e mesmo assim ousamos pensar que um dia mudaria, de uma forma ou de outra, e Georgia era uma dessas mudanças.

Ela estava a cinco anos lutando contra, eu soube que no começo ela mais ia embora do que voltava e sempre aparecia com a aparência de quem foi ao inferno e voltou. Eles sempre a acolheram e cuidavam dela, porque ela dentre todo mundo era a única que pedia desculpas pelo que fazia.

Então, dois anos atrás ela simplesmente parou de ir embora, e comparecia a todos os exames, inclusive até mesmo no nosso primeiro encontro ela me respondeu, com sinceridade e mesmo que tenha durado pouco mais de dez minutos eu considerei uma vitória.

Georgia tinha transtorno ansioso social então era de se esperar que tudo fosse um pouco mais difícil para ela do que para os outros. Conversar já era difícil e expor seus vícios era ainda mais complicado

Então....Um passo de cada vez

- E então? Porque não está lá dentro se resfriando? – pergunto dando um pequeno passo a frente e vejo-a se inclinar um pouco batucando seus dedos na perna esquerda

- Eu estava, mas aí entrou um bocado de gente

Franzo a testa confusa e estendo a mão pegando o celular dentro da bolsa, mas assim que toco no aparelho frio me lembro. Xingando mentalmente, suspiro e tento um sorriso para Georgia

- São só alguns averiguadores

- O que significa? – Georgia dá um passo a frente bastante curiosa e eu aceito isso como uma sugestão de que posso me aproximar

- Significa que eles estão observando se está tudo dentro da normalidade, dentro da ética profissional, se não estamos excluindo ninguém ou até mesmo se estamos trabalhando

Georgia me encara parecendo divertida e eu sorrio enquanto coloco a bolsa em meu ombro tirando os óculos de sol do rosto e os colocando apoiado em minha cabeça

- Isso parece ser chato – ela comenta em fim e eu dou risada

- É, mas é o trabalho deles – respondo e olho para o prédio – Que tal entrarmos pela porta dos fundos? Não terá ninguém lá

Ouvindo minha sugestão, Georgia morde o lábio inferior e vejo com satisfação sua pele mais rosada e seus olhos claros suavizados, além de sua respiração tranquila e seu corpo relaxado

Ela estava bem, e graças a deus por isso

- Tudo bem – ela afirma e eu caminho ao seu lado.

O prédio em estilo antigo, tinha janelas panorâmicas de vidro fechadas, não era grande e muito menos tínhamos tudo, mas com as doações e o programa crescendo cada vez mais, nós tínhamos conseguido organizar tudo, inclusive tínhamos lanches todos os dias e sofá confortáveis, além de salas particulares climatizadas dando conforto aos pacientes.

- E então – eu pergunto e abro a porta pesada entrando no ar refrigerado – O que você fez essa semana?

- Nada de interessante – ela diz e levanta um ombro, olho para baixo vendo sua mão apertar sutilmente a alça da bolsa e diminuo os passos lentamente para que ela não perceba – Fui trabalhar, voltei para casa e fiz compras

- E o seu gatinho?

- Ele não é meu – ela responde e faz uma careta – Ele só aparece por lá de vez em quando

- Uhm – respondo pensativa e estalo a língua – Pensei em um nome para ele depois que me enviou aquela foto

Georgia me lança um olhar engraçado e eu sorrio enquanto paro na recepção, me estico pegando meu crachá que esqueci na semana passada e o penduro no pescoço. A foto estava terrível, mas meio que bonitinha

Eu estava vermelha porque tinha vindo correndo depois de descobrir que eu tinha sido a primeira a ser convocada depois do processo seletivo baseado em notas e projetos disciplinares. Meus cabelos estavam bagunçados e minha presilha que tentava conter minha franja estava inclinada, como se estivesse pronta para cair.

Não estava tão ruim

- Que nome pensou para ele? – Georgia pergunta soando curiosa e é minha vez de levantar um ombro

- Caramelo

Georgia ri baixinho e meus ombros caem em alivio. Sorrio quando escuto passos vindo do outro corredor e finjo estar pegando fichas para as consultas de hoje. Georgia muda de um pé para outro e eu a olho de lado, ela repara e eu inspiro profundamente antes de soltar

Ela me imita depois de alguns segundos e eu a vejo olhar para a porta onde três mulheres e dois homens saem juntamente com o psiquiatra que é coordenador da instituição.

- Olá srta. Thompson – Lewis se aproxima sorrindo e aperta minha mão – Que bom que chegou, estou apresentando a instituição

- Olá, boa tarde – falo apertando a mão de cada um e ouvindo seus respectivos nomes – Espero que estejam apreciando a visita

- Estamos com certeza – a mulher, Hilary, responde – Acabamos de sair da sala onde fazem os processos grupais

- Sim, é uma sala divertida – respondo e me viro para Georgia que se escondeu parcialmente atrás de mim. Sinto sua respiração ofegante e me viro lentamente pegando seu braço e o colocando apoiado no meu – Por falar nisso, temo que tenho que ir, uma das minhas turmas está prestes a começar a chegar

- Quantas turmas você tem? – Diego pergunta e eu abro a boca para responder, mas Lewis responde por mim sorrindo em minha direção

- A srta. Thompson é nossa garota prodígio, ela ainda é estudante em Stanford, mas decidimos contrata-la – ele diz e se vira para os convidados – Ela tem até agora, quatro turmas. Todos querem ouvi-la um pouco

- É só porque eu falo algumas piadas engraçadas – respondo e Georgia aperta minha mão, me viro para ela e vejo sua expressão mais tranquila – Desculpem-me, mas eu esqueci de apresentar, essa é Georgia, uma de nossas integrantes aqui na clínica Reborn

LYRIC: O Caos do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora