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Porque eu tenho ouvido sinfonias

Antes tudo o que eu ouvia era silêncio

 (Symphony – Clean Bandit feat. Zara Larsson)


Existe uma notícia boa hoje...Espera, duas notícias boas

A primeira é que eu fui aprovada em cognição social, vitória para mim, e para os meus pacientes na clínica de reabilitação que torcem por mim para que eu conclua minha graduação logo. A segunda é que eu consegui sobreviver as últimas aulas e cheguei viva em casa com a carona de Sean já que meu carro estava na oficina... De novo

Eu estava começando a achar que o fato de meu carro, novo – mais ou menos, estar indo direto para a oficina não era um simples acaso, era porque eu tinha um pouco de azar e ele era refletido no meu carro preto bonitinho que eu tinha comprado com muito esforço no ano passado.

Aceno me despedindo de Sean e ando pelo pequeno jardim da mamãe seguindo a regra de nunca pisar no gramado e sim no caminho de pedregulhos. A casa em estilo vitoriano tinha sido comprada por papai quando ele conseguiu o emprego dos sonhos, e como presente para a mamãe escolheu a casa mais bonita e charmosa da rua, no começo eles não tinham muita coisa e o dinheiro entrava aos poucos, sendo gastos na criação de seu filho mais velho e em seguida gastos comigo. Mas mamãe era ativa e papai paciente, e junto os dois conseguiram mobiliar e quitar a casa que hoje era nossa por completo. Subo os dois degraus estremecendo com o vento frio e tiro a chave do bolso da calça enfiando na fechadura, a porta se abre e eu penduro meu sobretudo no suporte.

Tiro as chaves do carro e mordo o lábio inferior pensando em um lugar para enfiar e colocar a culpa em outro. Talvez eu pudesse jogar debaixo do sofá, aí eu diria que Jay é o atrapalhado e bagunceiro, ou poderia...

- Que bom que você chegou Lyric – paraliso com a chave na mão e vejo meu pai terminar de descer as escadas vindo até mim, se abaixando em seus quase dois metros de altura ele me beija na testa e sorri – Eu esqueci que seu carro estava na oficina, você veio com Sean?

- Sim – eu respondo com a voz tranquila e meu pai estreita os olhos, se movendo para trás ele me observa e vê a chave em meu dedo

- Isso é a chave de Jay?

- Não – eu falo e bufo, como se fosse ridícula aquela ideia – É de Sean

- Então Sean está aqui? – ele pergunta cruzando os braços e eu suspiro desistindo.

Meu pai, Benjamin Thompson, um cara de quase quarenta anos com cabelos claros e olhos cinzas é sério e cansativamente paciente, tão paciente que chegava a ser tedioso. Para se ter uma ideia, no parto de Megan ele ficou o tempo inteiro sentado ao lado da cama segurando a mão da mamãe sem falar nada com os olhos pacientemente esperando o terceiro filho e mamãe jura que no parto de Jay ele fez da mesma forma

Então basicamente eu sabia que poderíamos continuar nos encarando e no final eu acabaria falando a verdade. É, sério assim

- Sim, é a chave de Jay

- Porque estava escondendo? – ele pergunta suspirando pesado – Começaram com aquelas brincadeiras de novo? Porque, juro, se for eu vou expulsar os dois de casa

Dou risada com seu tom e ele me encara contrariado, como se quisesse ser levado a sério. Mas não tinha como eu o levar a sério, não quando sabíamos muito bem que papai tinha como pesadelo os filhos saindo de casa e se distanciando dele

- Eu não sei como a chave foi parar na minha bolsa – eu respondo com uma careta – Juro, eu fui buscar minha agenda e ela estava lá

Meu pai me encara avaliando se estou mentindo e em seguida olha para o teto de casa

- Coloque a chave ali e talvez ele não desconfie – ele fala apontando para a mesinha de apoio ao lado do sofá. Sorrio e me inclino beijando-o na bochecha

Ele era um bom homem

Um santo, um....

- Peguei! – arfo quando sinto algo bater em minha mão e xingo baixinho quando vejo Megan subir correndo a escada, só parando no topo da escada – Você está perigosamente perto de morrer maninha, Jay não vai ficar nada satisfeito com o que você fez

Se papai era um santo, a Megan era o capeta

- Megan, desça as escadas e me entregue a porcaria da chave – eu falo e subo um degrau. Papai fala algo e em seguida desiste saindo da sala, encaro Megan e subo mais um degrau – Me devolva

- O que eu vou ganhar com isso?

Aquele filhote de demônio

- Isso é extorsão, doce Megan, sabe o que significa? – pergunto sarcasticamente e dou mais um passo a frente. Ela sorri com todos os dentes que uma adolescente de quatorze anos pode ter e dá um passo atrás

- Significa que eu tenho algo em mãos e posso usar contra você se não fizer o que eu peço – ela diz alegremente e meus dentes rangem enquanto eu mordo com força

- Megan o Jay vai me matar se você não me devolver essa droga de chave

- E eu com isso?

- Tudo bem – falo levantando as mãos em redenção – Te pago sorvete por um mês

Megan finge pensar enquanto inclina a cabeça para o lado e eu reviro os olhos

- Não, papai compra para mim – droga – Acho que eu quero outra coisa

Abro a boca para falar a ela que poderia esquecer quando escuto a voz de Jay enquanto ele abre a porta da frente. Olho aterrorizada para ela que sorri e sacode a chave nos dedos

- Diz logo

- Terá que ir comigo ao parque que acabaram de inaugurar aqui na cidade – ela diz acelerando a resposta e eu franzo a testa

- Que parque?

- Tem golfinhos, focas, pinguins – ela vai pontuando em cada dedo e eu corro para cima

- Ok, combinado – eu falo e ela corre em direção ao quarto de Jay, estreito os olhos achando que fui traída, mas ela volta correndo fingindo estar ofegante

- JAY! – ela grita parecendo feliz e eu arregalo os olhos dando um passo a frente, vendo a chave balançar em suas mãos. Meu irmão mais velho aparece curioso e olha para cima

- Merda Megan, isso é a minha chave?

- Sim, estava debaixo do tapete que a mamãe colocou nesse corredor – ela diz parecendo soar sincera – Estava enganchado em um fio e você não viu

Jay suspira e corre escada acima pegando as chaves dela e dando um beijo estalado em sua bochecha

- Valeu maninha – me olhando de lado ele franze a testa e estala os dedos a minha frente – Ficou catatônica? Parece que viu um fantasma

Pisco recuperando o folego, e me forço a expirar. Tudo bem, ele não desconfiou e sendo assim nada de trollagens pela casa, tipo peixe debaixo do travesseiro ou.... Urgh, ainda lembro o fedor

- Estou bem – eu falo e ele me olha atravessado – Só estava imaginando você dentro de um ônibus apertado suando feito um porco – finjo estremecer e ele grunhe – A visão foi muito forte

Jay dá um passo a frente e eu corro para baixo rindo, vou para a cozinha e pego uma garrafinha com água. É isso, eu escapei

LYRIC: O Caos do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora