GRACE
Enquanto Anael se afasta para falar com o Quarteto, preciso pensar rapidamente no que fazer. Devo pedir desculpas? Isso com certeza, pois apesar de magoado e ferido por mim, ele fora atrás de meu pai e os outros para proteger a todos, incluindo eu. Decido tentar uma conversa casual.
- Anael, espere! - o chamo em tom ambiente, tentando não demonstrar que senti a alfinetada em sua última frase. Porém, para a minha não surpresa, ele não para de andar e sequer olha para trás. - Não sabia que anjos podiam guardar rancor.
Nesse momento ele recua e se vira em minha direção. Achei que veria irritação em seus olhos, porém eles me fitam com profunda tristeza e cansaço.
- Não podemos. E não tenho rancor de você, Grace, pelo contrário, eu deveria te agradecer.
Me sinto confusa.
- Me agradecer?
- Sim, Grace, agradecer. Você me mostrou que eu devo me manter fiel ao que sempre tive que fazer: trazer as mensagens, proteger e servir. E só. Anjos não devem se apaixonar, anjos não devem esperar nada de vocês humanos pois são voláteis e inconstantes. - ele respira fundo como se estivesse com todas essas palavras engasgadas desde que estivemos juntos no Abismo.
- Eu te chamei pois queria me desculpar. E antes que você queira me interromper - ele torce o nariz - sei que isso envolve muita coisa além de mim, uma quase humana e seria muito egoísmo meu fazer dessa guerra algo sobre mim o que não é o caso. Anael, tudo é por uma razão, eu estou aqui pois Deus quis assim, estamos juntos pois deveríamos estar juntos. De alguma forma Ele sabia que essa merda toda ia cair no ventilador e então milênios, desde que o mundo é mundo, depois, estamos aqui. Vamos nos focar nisso agora, na proteção de todos e se a gente sobreviver... podemos conversar sobre isso.
Anael respira fundo e acena a cabeça. Então era um combinado.
ANAEL
Miguel não era completamente ele mesmo. Nem em um milhão de anos seus olhos brilharam daquela forma, com ódio e vingança, como se fôssemos culpados por tudo ser da forma que é.
Se Zalmoxis estava por trás disso, então ele é muito mais poderoso do que as lendas e histórias contam. Seu poder poderia se igualar a Deus? Seria essa uma crise interna de família?
O sentimento de algo não estar certo no meio de tudo sempre abalou minhas estruturas.
Uma trombeta soa alta e clara. Sinal verde para o exército de Miguel atacar. Mas algo muito estranho acontecera.
Miguel liderava sim alguns anjos, mas sua conduta estava tão suja de vingança que em algum momento ele arranjara tempo de recrutar demônios. Muitos deles. Saíam da terra em meio as luzes crepusculares e seus olhos gritavam por sangue. Cada imagem era como um pesadelo vivido e gutural. Um desespero em nosso pequeno exército começou a se estender em cada integrante, Grace conjurou sua lança e os olhos percorriam as camadas de seres além e nós com velocidade, como se calculasse as chances de atacarmos e sairmos vivos. Me coloquei ao lado de Phillip, juntamente com o Quarteto que olhava esperançosamente para o alto, buscando algo.
- Temíamos que isso fosse acontecer, estão atrasados! - disse Sablo cerrando os punhos e exalando poder, controlando ao máximo suas emoções.
- Não posso acreditar... - Lúcifer ria sombriamente olhando para seus súditos ali, contra ele. - Que grande ironia! - sua voz poderosa tomou forma, assumindo a postura de Rei do Abismo - Miguel lhes oferece migalhas e como cães famintos vocês lambem o chão? Me alegra saber que agora poderei colocar cada um no lugar que merece. - os olhos negros perderam todo e qualquer brilho que ali estava, assumindo trevas nunca vistas.
Sablo novamente olhou para cima, mas dessa vez, sorria.
Anjos e mais anjos, reluzentes, armados e prontos, desciam do céu se colocando em posição de ataque ao nosso lado. Ainda estávamos em desvantagem considerando o populoso inferno, mas toda aquela ajuda seria essencial para termos uma mínima chance de sobreviver.
- Obrigada... vocês quatro... - Grace disse ao Quarteto. Eles acenaram a cabeça e agora se posicionavam.
Chegara a hora. Outra trombeta soou e o caos começou.
LÚCIFER
Tudo começou rápido. A trombeta deu sinal verde para o exército de Miguel avançar e eu nunca vira tantos anjos e demônios com sede de sangue como naquele segundo em que ouviram o soar.
Conjurei minha espada e olhei o mais rápido que pude para ela. Nossos olhos se encontraram por uma fração de segundos e foi o suficiente. Grace segurou sua lança com força e liberou um grito de raiva de seu corpo, correndo em direção ao motim. Girei o aço negro nas mãos e avancei.
Se algum humano visse de fora toda aquela nuvem de poeira reluzente, acharia facilmente que um pedaço do céu caíra e naquele pedaço uma tempestade acontecia. De nossas armas saíam faíscas e trovões, de nossas trocas de poder raios de alta carga energética explodiam e anunciavam que alguém foi abatido.
Nossos exércitos se chocaram e de canto de olho consegui vê-la. Era sobrenatural como Grace mal treinara mas tivera a agilidade de fazer um ataque aéreo atingindo 8 demônios de uma só vez. Sua lança cortou o chão e sua aterrisagem liberou uma espécie de onda de energia, reduzindo a poeira oito seres de trevas. Ela se movia com elegância porém precisamente ágil.
Segurei dois demônios inferiores e liberei trevas, o meu poder, entrando em suas mentes e os matando de dentro para fora. Foi assim, repetidamente, com 50 deles, enquanto minha espada cortava o ar e atingia os mais próximos a mim, meu poder rastejava buscando mentes desestabilizadas para as envenenar.Talvez fosse por isso que eu tinha a fama de ser uma cobra sorrateira, aguardava o fraquejar de mentes para poder bagunçá-las.
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A Graça de Lúcifer - Leticia Rovaris (Completo)
FantasiaLúcifer descobre que um anjo de Luz foi criado para fazer o que ele nunca fez: ajudar as pessoas. O mesmo, com uma sede de vingança quase incontrolável vai atrás do anjo, descobrindo simultaneamente que ele, aliás, ela, vive na forma (quase) humana...