A Graça de Lúcifer - Leticia Rovaris (Completo)

DEZESSEIS - LÚCIFER

Observo o relógio. Já passam das 4am.
Grace mexe seu corpo cuidadosamente, ás vezes solta uma careta, com certeza ainda sente alguma dor.
Seu braço esquerdo está roxo em alguns pontos, e agora, é visível algumas cicatrizes pálidas e brilhantes.
Ela estava acordando.
Levanto do chão onde fiquei sentado nas últimas horas.
Me aproximando com cuidado, sento ao lado de sua cama.
Ela aperta os olhos, suas pálpebras se mexem, até que um bocejo invade seus lábios e, aos poucos, Grace vai abrindo os olhos.

Sem olhar em minha direção, ela encara o teto. A testa está franzida.

- Ei. - me limito a um simples sussurro.

Grace se senta mais rápido do que deveria, e arfa, sentindo dor e confusão.

- Calma, garota... isso, devagar... - hesitante, puxo o travesseiro para apoiar suas costas e tento passar calma.

- O que aconteceu? Só me lembro de apagar e... - ela balança a cabeça, confusa.

- Prometo que te explico tudo... se sentir que consegue ouvir agora.

Ela paira os olhos sobre minha pele por um instante. Em um ponto específico.
Minhas costas. Minhas asas.
Esqueci de escondê-las... isso poderia chocá-la mais, agora que está fraca.
Percebendo meu desconforto, sua voz sai calma e leve.

- Não precisa escondê-las. São lindas... você é...

Respiro com dificuldade diante de suas palavras.
Não sei o que dizer. Há milênios não escutava um elogio sequer sobre mim. Não daquele jeito.

- Eu quero saber de tudo... - ela encosta a cabeça na cabeceira da cama, me olhando com ternura e curiosidade nos olhos castanhos.

A deixo á par de tudo que Anael me contara. Desde seus pais, até a benção da Luz, eu e Empousa...
Vez ou outra ela respirava fundo, como se processasse com o máximo de cuidado todas as palavras que saíssem da minha boca.

- Isso explica o motivo de Philip ter te chamado de infeliz quando quase te atropelou... - ela diz e sorri.

Torço o nariz em desagrado.
Tento perceber algum sinal de negação em seu rosto, mas ela parece se esforçar para levar tudo de forma aceitável.

- Me desculpa não conseguir... você sabe. É que tudo parece tão fora da realidade que... não acredito que Philip era um anjo...

- Tecnicamente, ele ainda é. Só que virou mortal. Ele é especial... nunca percebeu nada de diferente nele?

Percebo seu rosto mudar por alguns instantes. Grace parece intrigada.

- Na verdade, sim... mas sempre achei que o motivo de toda proteção e cuidado fosse normal de um pai... - Grace sorri de lado, mostrando uma covinha no lado esquerdo do rosto.

- Você tem mais alguma pergunta? - ela se senta com os joelhos dobrados em seu peito e os abraça.

- Milhares... mas, tem algo que me preocupa mais que qualquer coisa... - sua feição fica indecifrável. Seus olhos não piscam.

- O que?

- Eu não sei lutar. Eu acho que não tenho asas e muito menos poderes. Eu sou só eu, e um eu bem frágil...

- Você é um "eu" muito mais bonita do que eu poderia imaginar. - por que eu disse isso?????

Ela fica surpresa, fazendo seus olhos parecerem maiores e mais brilhantes.
Não consigo parar de olhar. Como ela consegue ter esse feito dominante?
Segurando os joelhos com uma das mãos, a outra ela estende em minha direção.
Sem saber direito o que fazer, a encaro com confusão nos olhos.

- Pega a minha mão, Lúcifer. - sua voz é baixa.

Com cuidado, vou deixando minha mão encontrar a dela.
Quando nossa pele se toca, algo percorre meu corpo violentamente. Uma eletricidade quase visível.
Começo a respirar com dificuldade, e sem perceber, falo:

- Vou preparar você. Descobriremos juntos o que você pode fazer, está bem?

Ela acena com a cabeça, sem soltar minha mão. Agora seus dedos se entrelaçaram aos meus.

- Você pode ficar? - ela pergunta. Congelo.

Isso não deveria estar acontecendo...