Samael e Ariadne
Ariadne – Tu me amas?
Samael – Por que não aceitas que há mistérios em cada mundo, mesmo quando é chegado novembro e os mortos vem em carruagens de éter?
Ariadne – A chama no meu peito grita. Que faço eu desse aço rubro e frio?
Samael – Ainda não silenciaste a voz dessa quimera? Esquece-me, que não tarda o ontem segue!
Ariadne – Mas o sangue fala, e por ele gerações de pássaros sem céu.
Samael – Acaso sei eu de bem mais, no entanto já me cansa estar entre segredos e totens cujos olhos me assombram quando o frio me fustiga a pele vestida de incontáveis nus.
Ariadne – Mentes, eu sei, pois o corvo há muito não semeia os campos de vento e teu corpo ascende vez ainda, como que fugisse de nunca ser meu.
Ariadne – Além do que nem podes ver a lágrima com que devoro a própria vida, em tons de veludo, vísceras e dobres fúnebres. És um descrente, entendo assim.
Samael – Tais palavras tremeluzem no vazio e invocam sombras, e não vejo como demover mesmo os gigantes de tal milenar intento. Verei jamais apascentar teu infantil receio ante o brasão de um simples donatário?
Ariadne – Que me interessa se te julgas verme, quando mesmo a flor é tão fornida de espinhos quanto o despertar de um sonho auspicioso? Acaso me tomas por cortesã de meros faunos? Escárnio, ao fim dos dias, dedicam-me as gentis, bem creio.
Samael – Não entendo onde queres chegar, cristalizando em tempo essas constelações tão sem fuso. Sempre posso te jurar a lâmina, quando pouco, ou quando retornares em tecidos de névoa.
Samael – Guarda pois o que te digo: Não há de nascer um sequer noovo mistério enquanto trouxeres no corpo esse desfecho trágico.
Ariadne – ...
Samael – Contém teu pranto. Não pretendi acorrentar teus beijos, nem fustigar tua alma, intempestivo. Admito porém que me deixei levar por falsos profetas e visões sem convergência.
Ariadne – Tu me amas?
Samael – Há muito sei que dormes no meu ser, e sol não posso ver sem teu descanso, nem me resta ao peito outro outono que não teu seio.
Samael – Sim, Ariadne, eu te amo e há somente aí uma verdade...
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Reticências
PoesiaPoemas carregados de simbolismo, que refletem várias fases da existência do autor. Um turbilhão sensorial que arrasta o leitor a múltiplas interpretações.