"NÃO ESTÁ UM POCUO CALOR PRA USAR CASACO?"

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Na segunda de manhã eu já amanheci em casa.
Acontece, que minha mãe ligou pra mim no domingo e disse pra eu ir correndo pra casa, pois ela estava muito doente e precisava da "filhinha" dela. Mas quando eu cheguei em casa, tudo o que ela queria era que eu arrumasse a casa, enquanto a amiga dela "era a única que cuidava dela direito". Ela é sempre "a única que se importa".
Meus braços acordaram doendo, pois no domingo, cortei pelo sábado também. Foi difícil pra tomar banho, pois eles estavam ardendo a cada gota que caía, e quando acabei, dor estava impossível de se aguentar, mas mesmo assim, fui à escola.
Quando cheguei na escola, atrasada mais uma vez, Sarah não estava me esperando. Mas Peyton estava.
-Até que enfim! Ficamos preocupados. - ele disse me abraçando e me beijando.
-"Ficamos?" Você tem mais de uma pessoa vivendo na sua cabeça? Porque eu só vejo você. - disse rindo.
-Eu e Sarah. - ele riu também. - Ela acabou de entrar, disse que pra aula de matemática não podia te esperar. - ele pegou meu braço, justo o cortado, com delicadeza, mas mesmo assim doeu.
-Ai. Cuidado. Eles estão sensíveis hoje. - falei, soltando o meu braço que ele estava segurando e puxando para perto do corpo dele.
-Você cortou de novo? - ele perguntou, preocupado, mas o silêncio me entregou. - Melissa... Já disse pra você que iria te dar motivos pra não fazer mais isso. - ele me beijou lentamente, me abraçou, me acalmando.
Entramos na escola, cada um foi para a sua sala e ficamos separados até o almoço, pois ele é um ano mais velho, e Sarah não tem as primeiras aulas comigo.
No almoço nada demais aconteceu. As provocações e zoações das 'Jennasticas' haviam parado. Mas a Jenna só sabia me encarar, ou encarar Peyton, ou encarar Sarah. De qualquer forma, ela não parava de olhar pra nossa mesa, quase que querendo sentar ali. Mas ela era a Jenna. Estava tão popular ultimamente. Porque ela não estava em uma mesa rodeada de garotos bonitos?
Foi quando eu me dei conta. Nunca realmente vi a Jenna rodeada de amigos. Nunca vi a Jenna rodeada de ninguém, não até antes das fotos, pelo menos.
-Sarah... - perguntei discretamente, para Jenna não perceber - Se a Jenna é tão popular, por que raios ela não está rodeada de garotas com baixa alto estima e garotos babacas querendo namorá-la?
-Você acha que EU vou saber? Ela não deve ser tão popular assim. Ou... as pessoas perceberam que megera ela é.
-Mas ela tem que ser popular. Ela tem o número da escola toda. Mas... eu nunca a vi conversando com nem metade da escola...Não é estranho?
-Vamos parar com o assunto "Jenna"?! Ela está encarando essa mesa, como se soubesse que estávamos falando dela! É assustador. - Sarah levantou e passou pela Jenna, dando um sorriso falso.
Depois da escola, fui direto pra casa. Ordens da "mamãe". Quando entrei no quarto, ela estava com a amiga dela conversando algo, que pararam no exato momento em que entrei.
-Bater na porta ajuda! - Minha mãe falou, olhando feio para a amiga dela.
Então veio um cheiro em minhas narinas. O tipo de cheiro que você sente ao passar por um tratamento de esgoto, ou quando vai trocar a fralda suja de um bebê.
-Mãe, que cheiro ruim. - falei torcendo a cara.
-É o cheiro da falta de educação. - ela falou, irritadiça.
-Se eu sou mal educada a culpa é de quem me criou, não minha. E o cheiro é de sua bosta. Ou do seu peido. Ou do peido da sua amiga. - saí do quarto dela, e pude sentir seus olhos me ruminando.
Eram oito da noite. Estava no telefone com Sarah, quando minha mãe gritou meu nome. Parte de mim queria continuar falando com Sarah e deixar minha mãe gritando. Mas minha parte solidária falou mais alto.
Corri para o quarto dela, largando Sarah falando sozinha. Quando entrei no quarto, ela não estava na cama. E a porta do banheiro estava aberta. Ela estava sentada no chão, olhando para baixo como se estivesse chorando.
-Mãe, o que houve? - falei o mais preocupa possível
- Eu caí, oras. Me ajuda a levantar e me vestir. E me leve pra cama. - ela disse olhando pra cima. Nem depois de cair no chão, ela pede por favor.
-Claro, mãe. - ajudei ela a se secar, se vestir e a botei na cama.
-Filha... Não está um pouco calor pra usar casaco? Está uma noite quente, tira isso.
-Não mãe, na verdade, eu to com frio. - menti. A noite estava um forno. Mas não podia tirar o casaco, e mostrar meu braço todo cortado à minha mãe.
Depois de dar o comprimido pra ela, e deixá-la na cama, finalmente voltei a falar com Sarah. Ela estava uma fera, porque a deixei sozinha. Me desculpei com ela e desliguei.
Desci as escadas e fui, lentamente, até a cozinha. As facas estavam no porta-facas. Só me esperando.
"Já te disse que ia te dar motivos pra não fazer isso." Lembrei de Peyton falando comigo, mais cedo na cedo na escola. Não podia decepcioná-lo. Não ele.
"Não me deixe. Por favor." Lembrei de Sarah. Não poderia deixá-la. O dia em que um deles me abandonar, aí sim, eu posso morrer. Mas ainda não era a hora. A morte espera. Minha morte espera.

(Não) Me Salve!Onde histórias criam vida. Descubra agora