"EU TINHA RAZÕES PRA CONTINUAR VIVA.

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Depois da minha discussão com Sarah, eu dormi. Mas eu não dormi, com os pesadelos me assombrando, e os problemas me caçando e me fazendo acordar de cinco em cinco minutos. Eu dormi mesmo. Dormi bem. "Dormi feito um neném."
Quando acordei era dia, e a enfermeira estava trocando meus curativos.
-São que horas? - falei olhando para a janela, onde o sol mal tinha nascido.
-São seis da manhã. - ela riu
Eu me espantei e arregalei os olhos.
-Eu dormi isso tudo? Puxa... - ela riu e eu acompanhei. Percebi que não sabia o nome dela. - Qual o seu nome?
-Célia. - ela sorriu. Ela estava sendo tão doce comigo, será que era porque ela sabe o que eu fiz? Ou existe alguém bom nesse mundo?
-É um nome legal, pra uma pessoa legal. - sorri
Ela sorriu e olhou para o meu braço, vermelho e cicatrizando.
-Eu já cansei de fazer isso na minha adolescência. Eu mesma trocava os meus curativos. - ela estava se referindo aos cortes? A enfermeira que estava cuidando dos meus cortes já havia de cortado? Que irônico. - A razão de eu ter escolhido ser enfermeira foi que eu queria cuidar das outras pessoas...
-Do jeito que ninguém cuidou de você. - completei-a, sorrindo. - Como você fez pra parar?
-Honestamente? - ela sorriu - Eu só aproveitei o motivo que a vida me deu pra lutar. E você deveria ver o mesmo. A vida pode ser difícil, mas é disso que se trata: lutar. As vezes você vence, às vezes você perde. Mas se render não é a resposta. Se rendendo, você não vai ter chance de vencer. Mas lutando, você tem uma grande chance de vencer.
Eu fiquei pensando por alguns minutos, enquanto ela trocava os curativos. Ela tinha razão. A vida me daria um motivo pra lutar. Mas qual? Qual deve ter sido o dela?
-Qual foi a razão? - ela me olhou confusa - Que a vida te deu, pra continuar lutando...
-Bom... Eu fiquei grávida - arregalei os olhos, surpresa- ... Mais ou menos na sua idade. E minha mãe me obrigou a abrir mão do bebê, abortar. - minha cara de surpresa aumentou - Depois disso, eu percebi que se eu me matasse, nunca teria filhos, e eu queria ter filhos. Foi aí que eu falei que não ia tirar mais a vida de ninguém, muito menos a minha. Eu lutei pra poder ajudar as pessoas, como faço hoje. Essa foi a razão. - ela estava sorrindo.
A história de vida dela era pior que a minha, e mesmo assim ela encontrou forças pra lutar, então eu poderia também.
-Você tem uma amiga incrível pra te ajudar. - ela comentou, e eu ri.
-Descobri que a minha inimiga é, na verdade, minha amiga. E que minha amiga é, na verdade, a minha verdadeira inimiga. Acho que ter amigos não é o meu forte.
-Ao menos você tem alguém que cuide de você. Aquela sua amiga chegou gritando no hospital, dizendo que tinha uma garota quase morta no carro. - assim que ela terminou de falar, a porta abriu e Peyton apareceu.
-Com licença? - ele falou
-Ela é toda sua. - Célia saiu do quarto, sorrindo e piscando pra mim
-Não reclama que eu vim atrasado. Só soube disso quando Jenna me ligou ontem de noite. Vim assim que pude. - ele falou, sentando na beirada da cama
-Sarah passou por aqui. - falei, olhando nos olhos dela
-É? E o que vocês conversam?
-Sobre a vaca mentirosa que ela é, e como ela mentiu sobre você e tentou te beijar no parque. - eu ri e ele acompanhou
-Isso quer dizer que você me perdoa?
-Isso quer dizer... Que você não fez nada de errado pra eu perdoar. Você sempre foi honesto comigo. - sorri
Ele chegou mais perto e ficou a um polegar de distância de mim.
-Eu te amo, Melissa. Estou feliz que você está viva. - Ele sussurrou olhando em meus olhos, e encostou levemente os lábios nos meus.
Estava com saudade daqueles lábios macios. O beijei mais forte, e cada vez mais forte. Ele estava com metade do corpo em cima de mim. Mas quando ele se mexeu, pra terminar de subir na maca, ele acabou encostando nos meus pulsos doloridos.
-Ai! Meus braços! - parei o beijo. Começamos a rir. Eu estava feliz.
Quando a porta abriu eu e ele estávamos rindo. Eu só percebi que era minha mãe quando Peyton levantou da cama, quase correndo.
-Ai meu Deus você está viva! - ela sentou na cama e me encheu de beijos na testa.
-Sua filha está no hospital por um dia e meio e você só vem visitar agora? - tirei ela de cima de mim
-Eu estava na Flórida. Eu iria ficar lá o resto da semana, enquanto seu pai ia pegar vocês lá em casa. Quando o hospital me ligou, dizendo que minha filha estava à beira da morte, eu comprei a primeira passagem que eu vi, e era a da madrugada de hoje. - uma lágrima escorreu no rosto dela, enquanto eu permaneci séria
- Uma das enfermeiras me contou o porquê de você quase morrer. - Minha mãe continuou - Há quanto tempo você faz isso?
-Cinco anos. Faço isso desde os 11 anos. - quando falei, ela se assustou
- Filha! Por quê?
-Por quê? Desde que viemos pra cá e você se separou do meu pai, você tem parado de... Cuidar de nós. Cuidar de mim. Me deixou sozinha e tudo o que falava era como eu sou inútil! Achei que seria melhor se eu morresse. - Só percebi que estava chorando quando as lágrimas começaram a cair incessantemente no meu roupão de hospital.
Minha mãe também estava chorando.
-Filha... Eu achei que eu estava pronta pra ser mãe solteira... Mas não estou, né? A mamãe vai pra Flórida. Recomeçar a vida com seus avós. Você acha que com seu pai, você para de fazer isso? - ela falou cala palavra com dor
-Acho que sim. Vou tentar.
-Então... Você pode morar com seu pai.
-Sério? - falei com tão euforia, que me deu pena da cara que ela fez.
-Sério. Mas só se você me perdoar por errar. Eu nunca quis fazer mal a você, muito menos que você fizesse mal a você mesma...
-É claro que eu perdôo, mãe. - eu sentei e abracei ela, com cuidado com meus braços, mas forte. Quanto tempo que eu não abraço minha mãe, como isso é bom.
Nos braços da minha mãe, pude ver Jenna, Peyton e Marcus sorrindo pra mim, na porta. Um do lado do outro. Eu sorri de volta, pois pude ver que aqui estavam minhas razões pra continuar, pra lutar. Eu tinha uma amiga, um namorado incrível, um irmão da hora, e mesmo com defeitos, uma mãe que estava aprendendo tanto quanto eu.
Eu tinha razões pra continuar viva. A vida estava, finalmente, me dando um motivo pra lutar. E eu iria enfrentar todas as dificuldades pra continuar viva.
Não era, não é e não será o meu fim. É apenas o começo. Agora eu sabia disso.
Eu nasci de novo.

(Não) Me Salve!Onde histórias criam vida. Descubra agora