"VAMOS VOLTAR PARA A FLÓRIDA"

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Quando cheguei em casa da escola, minha mãe estava sentada no sofá, com a televisão desligada. Ela estava no celular, conversando, muito provavelmente, com a amiga dela.
Eu ia passando direto quando ela fez sinal pra eu sentar.
-Já falo com com você, Layla, a Melissa chegou. - Ela desligou e guardou seu telefone e olhou pra mim, com uma cara não muito feliz - Filha... você sabe que a mamãe está tendo problemas financeiros, certo?...
-Cadê o Marcus? - Interrompi. Meu irmão geralmente me fazia rir nessas horas. As caras de concordância e seus argumentos pra contrariar minha mãe eram hilários.
-Ele está...
-Aqui. - ele desceu a escada lentamente, interrompendo minha mãe, como se quisesse saber o porquê de estarmos falando dele, e na verdade ele realmente queria. Ele estava todo arrumado, touca cinza, calça jeans bem apertada de cor branca e a blusa de manga azul.
-Aonde pensa que você vai? - Ela falou severamente
-No cinema com uma... amiga... - ele se explicou. Olhou para os meus braços, disfarçadamente. Ele sabia dos cortes, já tinha me visto fazer e me ouvido gritar em muito dos meus banhos. Ele me olhou com um olhar de misericórdia, coisa que não fazia muito.
Eu dei um sorriso, parte debochando da "amiga" e parte agradecendo por ele não ter contado pra minha mãe sobre os cortes debaixo das mangas de meus dois casacos.
-'Mamãe' quer falar com a gente. Senta aí. - usei a expressão que combinamos quando um precisasse de ajuda ou quando ela estivesse falando besteira.
Ele sentou ao meu lado no sofá e olhou pra minha mãe, sinalizando que prosseguisse.
-Como eu estava falando com a sua irmã, Marcus, vocês sabem que a mamãe não está nas suas melhores condições financeiras. Por essa razão, seus avós me ofereceram a casa. Eu não teria que pagar aluguel...
-Mas a casa deles fica na Flórida! - Exclamei com raiva. Iríamos voltar para a Flórida, agora? Essa era a ideia dela?
-Filha... Já estamos praticamente de mudança. Vamos voltar para a Flórida, refazer a vida, você vai terminar o ensino médio lá, e o Marcus poderá fazer faculdade por lá mesmo. Tem uma faculdade muito boa, a mesma que eu estudei.
-Mãe, eu passei pra Universidade da Califórnia. Não vou com vocês. - Marcus falou calmamente, mas sabia que estava com raiva e apreensivo por me deixar sozinha, por isso, pediu desculpas pra mim, com os olhos brilhantes
Minha mãe respirou fundo. Queria arrastar nós dois para longe dos amigos, longe do meu pai, longe da escola e até longe dos problemas que estamos acostumados. Mas com Marcus indo para a faculdade, era só eu.
-Não há a chance remota de eu poder ir morar com meu pai, há? - perguntei, cautelosamente e sem esperanças.
-Não. Vai ser bom pra gente filha, - ela quis dizer pra ela - você vai ver as suas amigas de infância!
-Eu não falo com ela faz dez anos! Não sei quem são, como são e nem do que elas falam ou gostam! Sarah vai ficar aqui, Peyton, e até mesmo Jenna, que tem sido legal comigo ultimamente!
-Filha...
-Não! Você quer mudar pra lá porque você não consegue nos bancar, porque você não gosta daqui, porque você não suporta a ideia da gente gostar de ficar com meu pai, e porque você brigou com a sua amiguinha, eu aposto! - a cada palavra minha podia ver minha mãe queimando de raiva, mas não parei. Estava tendo um dos meus momentos raros de coragem. Não iria parar agora. - Você quer me arrastar pra longe do meu pai, pra longe da melhor escola que eu já fui e pra longe da minha melhor amiga por incompetência sua! - falei com raiva, o fôlego até me faltou.
- CALE A BOCA! - ela levantou e começou a gritar - VOCÊ NÃO TEM O DIREITO DE FALAR ASSIM COMIGO! EU SOU SUA MÃE E NÃO SUA COLEGUINHA DE ESCOLA! ME RESPEITE! VOCÊ VAI COMIGO E PRONTO! SEM ARGUMENTOS!
Respirei fundo e sorri, de raiva. Não aguentava mais estar ali e ouvi-la falar que era o melhor pra mim. Por isso, assim que ela acabou de dar o showzinho dela, eu falei:
-Eu vou pra Sarah. - eu simplesmente levantei, dei as costas e andei. Não liguei para os gritos dela me chamando, não liguei para as lágrimas atrapalhando minha visão, não liguei para nada, simplesmente andei.
Depois de um tempo andando, eu corri. Não sabia do que estava correndo, exatamente. Se era da minha mãe, ela já estava longe. Se era da lágrimas, minha visão já estava turva. Se era da tristeza, ela já havia me pegado. Eu não sei do que estava correndo, eu só corri. E correr me fez bem.
Cheguei na casa de Sarah na metade do tempo, e com muito menos fôlego do que o normal. Chamei, apertei a campainha, gritei, liguei para o telefone dela, para o telefone da casa dela, e nada. Sarah tinha sumido da Terra.
Só depois de inúmeras ligações e gritos, me lembrei que Sarah fazia parte do time de vôlei feminino da escola, e que hoje tinha treino.
Com o fôlego quase acabando, corri para a escola. O vento em minas bochechas, congelando as lágrimas que desciam lentamente, meu sangue esquentando e os músculos da minha perna sendo contraídos e forçados estavam me fazendo muito bem. Deveria tentar isso mais vezes.
Quando cheguei no parque, ao lado da escola, vi duas sombras. Uma menina com o cabelo longo e de uniforme das líderes de torcida, parecia ser Jenna, estava prendendo um menino alto e forte, que reconheci ser Peyton, em uma das árvores do parque. Jenna estava tão perto de Peyton que eles se beijariam, se ele não estivesse com a cara virada, lutando pra sair.
-...E ela me perdoou... - a garota continuou o monólogo
-Me larga. - Ele falou, impaciente e tentando se soltar. Jenna era forte.
-Por que, Peyton? Você sabe que somos feitos um para o outro! Melissa não te merece. Ela não é tão bonita quanto eu, é? - A voz... Não parecia ser da Jenna. Parecia ser da... Sarah?! Não. Não podia. Não era. Desde quando era ela líder de torcida? Não podia ser Sarah.
-Não fomos feitos um para o outro, e a Melissa é mil vezes mais bonitas que você, Sarah! - Peyton gritou todas as palavras de sua frase, mas a única que entrou estridente em meus ouvidos foi o nome de Sarah.
Caí. Jenna estava falando a verdade. Peyton estava falando a verdade. E esse tempo todo, eu acreditei na Sarah? Como ela pode fazer isso comigo? Como ela pode mentir na minha cara? Se ela estava apaixonada por Peyton, porque não me contou? As lágrimas saíram rolando feito pedras em uma colina. Pesadas, rápidas e difíceis de parar.
Me mantendo anônima, enxuguei o máximo de lágrimas possíveis e corri. Dessa vez, sabia exatamente do que onde eu estava correndo, em ambas as vezes.
Da primeira vez, eu estava correndo para o abraço de uma amiga, de uma irmã. Para as palavras que me acalmariam e iriam me fazer ver as coisas de outro jeito. Desta vez, eu estava correndo para longe dessa mesma amiga. Para longe de uma traidora, de uma mentirosa. Estava correndo para o gume afiado de uma faca. Da minha verdadeira amiga. Da única que me daria uma saída. E eu sabia, que dessa vez, não levantaria para lavar os cortes.
Esses cortes seriam os últimos.

(Não) Me Salve!Onde histórias criam vida. Descubra agora