A família da noiva

9 1 0
                                    

HORA 2

— Alice, é sua mãe no telefone. — Dizia Mônica pouco antes de tomar um gole da taça de champanhe e me entregar o telefone em minhas mãos enquanto a costureira dava um ponto no busto.
— Oi, mãe?
— Alice, como está indo as coisas por aí? Sua irmã está me pondo louca para ver seu vestido novo. Ela não para de falar sobre isso.
— Alice! — Gritava Diana por mim enquanto minha mãe ainda falava.
Diana é a minha única irmã e é caçula da minha família. Ela tem seus nove anos de idade, com cabelo loiros e cachinhos definidos. Até parece uma bonequinha de tão branca.
— Deixe—me falar com ela, mãe.
— Tudo bem, vou passar o telefone para ela antes que ela arranque a bainha da minha saia. Toma menina! — Dizia minha mãe com um jeito nada delicado que ela sempre teve.
— Alice, eu quero muito ver seu vestido novo. Ele é grande? Tem um véu enorme? É branco que nem as rosas do jardim da vovó? Cuidado para não sujar!
Começo a rir pelo desespero de minha irmã ao falar do meu vestido e sua vontade de vê—lo.
— Calma, Diana! Vai ficar tudo bem com o vestido. Logo você vai poder vê—lo como todo mundo na igreja.
— Falta muito? Eu posso ver agora? Por que você está enfurnada no salão da Neide? Ela não te deixa sair é isso?
Novamente fico risonha com tamanha imaginação e a quantidade de perguntas que Diana consegue fazer em questão de segundos.
— Não, Diana! Não é isso! Quando um dia você for casar você também vai ter o que chamamos "dia de noiva".
— Dia de noiva? Que troço é esse?
— É um dia onde a noiva relaxa antes do casamento. Pintam as unhas dela, fazem um penteado lindo e tentam a deixar mais bela possível para a hora do casamento.
— Mas você já é bonita! Não precisa de mais nada, Alice!
— Obrigada pelo elogio, Diana. Mas tudo isso é como um ritual. E acredite, também já estou entediada e louca para sair daqui.
— Tá bom, já chega! Você já perturbou por demais a sua irmã. Me dar o telefone! — Dizia minha mãe novamente com uma delicadeza impecável.
— Tchau, Alice! Eu vou me arrumar para o seu casamento. O meu vestido é muito bonito. Ah, como sou boba! Você que me deu. Ele é parecido com o seu?
— Já chega, Diana! Me dar o telefone. — Dessa vez minha mãe consegue tomar o telefone das mãos de Diana.
— Essa menina desde que você falou desse negócio de dama de honra não fala em outra coisa. Bem, eu preciso desligar. A moça que você contratou para os penteados está próximo de chegar. Suas primas já, já vão se amontoar aqui em casa, então já viu a bagunça que vai ser.
— Onde está o papai?
— Ele saiu para o trabalho e ainda não chegou. Mas ele me falou que pediu ao Sérgio para sair mais cedo do serviço. O terno dele já está passado e esperando por ele na cadeira. Só espero que ele não chegue em cima da hora.
Meu pai é conhecido na pequena cidade de belos montes como "seu Zé", apesar de seu nome não ter nada a ver. Antônio Carlos, esse é seu nome. Mas ele está a bastante tempo trabalhando na única oficina de carros da cidade, e em algum momento alguém o chamou de "seu Zé" e o apelido, ou nome, pegou. Meu pai é do tipo caladão, que pouco fala. Acho que isso de falar ficou para minha mãe. Como ela fala. Como ela reclama. Como ela grita. Então, quando se diz que os opostos se atraem, se encaixa direitinho nesse casal.
Eu lembro que no dia da minha formatura, onde meus pais não puderam comparecer devido Diana está muito doente, meu pai me ligou e com uma voz serena e emoção tímida, disse: — Parabéns, querida! Estou feliz por você! — Já minha mãe, que logo em seguida tirou o celular das mãos dele, começou a gritar no telefone: — Graças a Deus você terminou essa faculdade! Agora posso dizer para sua tia que temos a primeira médica da família. Ela vai morrer de inveja. Suas primas são tão desocupadas que nem para estudar prestam... — E foi uma conversa longa e cheia de hipocrisia. Não que eu ache minha mãe hipócrita. A verdade é que; as coisas nunca foram fáceis nessa família. Somos uma família pequena, sem muita intimidade, além do mais, a nossa pequena cidade não costuma dar oportunidades para uma vida de conforto ou sonhos. Então, assim que terminei meu ensino médio e passei no vestibular para a mais concorrida universidade pública do estado de medicina, eu me mudei sem pensar em qualquer problema que viria depois por ser sozinha em uma cidade grande. Eu simplesmente fiz minhas malas e fui. Mas o esforço valeu a pena.
— Alice, me diz uma coisa. Menina, você convidou o Daniel? — Dizia ela parecendo sussurrar no telefone. Quase não consigo ouvi-la do outro lado da linha. Mas quando o nome Daniel surgiu na conversa, meu estomago congelou.
— Daniel?! — Arregalei os olhos e logo em seguida olhei em volta para ver onde Mônica estava. Para minha sorte ela havia saído e não viu meu espanto ao pronunciar um nome; Daniel.
— Sim, menina! Não precisa te dizer que a mãe dele é sua madrinha de batismo e minha comadre há anos. Ela com certeza vai ao seu casamento e acredito eu que Daniel a acompanhe.
Já faz mais de cinco anos que não vejo Daniel, então ouvir o nome dele em meio a uma conversa que envolve casamento pode parecer a maior crueldade da vida. Ainda lembro da nossa última conversa e não foi nada amigável.
— Oi, voltei! — Dizia Mônica ao abrir a porta.
— Mãe, eu preciso desligar. Tenho muitas coisas ainda a fazer. Vejo a senhora na igreja, certo?
— Tudo bem. Acho que tem alguém batendo na porta. Deve ser a moça que você contratou. Já vai! — Gritou ela. — Até a igreja então.
Desligar o telefone naquele momento foi a melhor parte do dia. Falar algo mais sobre o nome que agora gira em minha cabeça pode ser o desastre total para o dia perfeito que está sendo hoje.
— Sua cidade é muito bonitinha, Alice! Fui comprar um café na padaria ao lado e achei tão charmosa a pracinha que arrodeia a igreja. Mesmo assim, não sei se me acostumaria a uma vida pacata. Que bom que você e o André decidiram somente casar aqui. Acho que isso foi a única coisa que você decidiu no casamento inteiro; casar na sua cidade.
— Achei mais cômodo para a minha família. Eles não iriam aguentar o barulho da cidade grande e logo sairiam correndo da igreja para pegar o primeiro ônibus de volta a belos montes. Eu os conheço, sei que seriam até capazes de não comparecer ao casamento se eu não desse um jeito que ele acontecesse aqui mesmo.
— Eu entendo! Família, o que dizer de família? São tão complicados! — Dizia Mônica ao sentar na poltrona e estender a mão na cadeira da manicure. — Pode tirar essa pequena cutícula? Ela está me deixando paranoica. Mas Alice, me conta! O que mais sente falta dessa cidade? Você não parece gostar de ficar perdida no tempo. Apesar desse seu jeito calma.
— Eu gosto muito da minha cidade. Realmente as coisas são bem devagar por aqui. Mas eu tinha um sonho e para isso tive que decidir encarar a barulheira da cidade grande.
— E por sorte, conheceu meu belo irmão que não parava de falar sobre você depois do primeiro encontro. Ele falava que você era linda, inteligente, e que tinha muitas coisas em comum. Por isso não demoramos muito para nos conhecer. Eu logo quis conhecer a garota do interior que enlaçou o bonitão do meu irmão.
— Sim, ainda lembro muito bem de tudo isso. Ele me convidou para um churrasco em família.
— Sim! Foi mesmo! O dia que você caiu na piscina! Nossa, esse dia foi bem engraçado.
— Ah, para Mônica! Eu quase morri de vergonha nesse dia. Eu não conhecia ninguém e a casa estava tão lotada com os parentes da sua família que quando cai na piscina eu queria um buraco para me esconder.
— E você estava em um buraco, só que com água!
Não foi difícil gargalhar em meio a uma lembrança tão embaraçosa como essa. Lá estávamos as duas em uma gargalhada alta que ecoava pelo salão.
— Fico feliz por agora fazer parte oficialmente de nossa família. Acho que André não poderia ter escolhido uma esposa melhor que você. Vocês dois tem um grande futuro pela frente. Você acabou de passar para residência. André está tão animado com os negócios da família. Vocês são um casal de dar inveja. — Dizia Mônica ao estender a mão em minha direção.
— Obrigada, Mônica! Eu estou tão feliz quanto você por entrar nessa família maravilhosa, que me acolheu em todos os momentos difíceis que passei para chegar até aqui. Acho que eu e Daniel seremos sim, muito felizes!
— Quem é Daniel?

O casamento dos tempos Where stories live. Discover now