HORA 3
André sempre foi um rapaz bem-apanhado, como diria minha falecida avó paterna. Quando o vi pela primeira vez no campus da faculdade, eu acho que fiquei hipnotizada, pois os meus olhos não o pararam de seguir até ele entrar em uma porta que dava acesso a biblioteca, enquanto eu estava sentada em um banco com um livro de romance em mãos.
Assim como eu, André acabara de começar seu curso. Mas sua paixão, diferente da minha, era administração. Afinal de contas, ele já havia aprendido muito com seu pai sobre o negócio da família antes dele falecer, e em algum momento ele assumiria de vez a empresa promissora. O meu primeiro contato com ele foi através de uma amiga em comum. Sângela.
Sângela cursava medicina comigo e ela acabou se envolvendo com um amigo de André o que um dia, por um acaso nada acaso, acabamos em um encontro duplo. Sângela insistiu que saíssemos os quatro. Eu aceitei. Até que a noite foi bem divertida. Depois de uma pizza em um barzinho maneiro e cheio de pessoas e um bate papo entre "agora amigos", finalmente eu e André podemos nos conhecer melhor enquanto caminhávamos pelo belíssimo calçadão da praia.
— Então, você pretende ser médica. Já tem alguma especialização em mente? — Perguntou André colocando uma de suas mãos no bolso da frente da calça jeans caminhando do meu lado enquanto Sângela e seu "amigo com.... caminhava logo atrás.
— Eu ainda estou pensando. Talvez patologia seja uma das minhas opções.
— Hum! É uma boa opção. Te dar flexibilidade para viver a vida e aproveitar.
— Ainda não sei ao certo, mas posso dizer que essa é uma opção importante. E você, me fala. Por que administração?
— Isso é fácil de responder. Negócios da família em ascensão.
— Então já é rico?
André rir da minha insinuação.
— Não rico, mas digamos que temos uma fonte de renda sólida. Pelo menos até agora. Não sei se quando estiver em minhas mãos de vez. Meu pai subia cuidar dos negócios. Não sei se serei capaz.
— Sabia? — Indaguei.
— Ele faleceu no ano passado. Ataque cardíaco fulminante.
— Sinto muito! — Falei transparecendo tristeza.
— Não precisa ficar assim com uma voz de pena. Ele e eu erámos muito próximos, e apesar de ter acontecido tão de repente, eu consegui seguir acreditando que fomos melhores amigos enquanto ele esteve aqui.
— Isso é consolador, não?
— Sim, isso é consolador. Sinto muito a falta dele, mas ele foi meu exemplo e sei que ele desejava, apesar de tudo, que eu desse continuidade na vida. E é bem isso que estou fazendo. Vivendo.
— Espero que tudo aconteça como planeja. Acho que ter inspiração no exemplo de seu pai vai ajudá-lo a se sair bem.
Um silêncio se fez entre nós dois. Mas André conseguiu mudar o rumo da conversa.
— E você? Tem namorado? — André foi direto.
— Eu pensei que a próxima pergunta seria sobre família, não sobre namorado. — Olhei para ele que pareceu ficar tímido logo depois da ousada pergunta.
— Namorado também é família, não? Pelo menos até tudo acabar. — André dar um jeito de deixar a conversa engraçada.
— Não, não tenho. Eu estou fazendo medicina e para se ter namorado é preciso tempo. E acho que tempo eu não vou ter sobrando nos próximos cinco ou seis anos.
— Bem focada, em?
— Agora você! Tem namorada?
— Pergunta difícil e fácil ao mesmo tempo.
— Como assim?
— Eu tenho...
Antes que André possa continuar com suas palavras, subitamente paro e digo:
— Como assim você namora e está comigo aqui? — Falei assustada achando que o garoto de rostinho bonito que caminhava comigo era apenas "um rostinho bonito".
— Calma! Você não me deixou terminar de falar. — André parece achar engraçado minha cara de assustada. — Eu não estou namorando. Eu tinha sim uma namorada até ontem. Mas terminamos.
— Como assim até ontem você namorava?
— Essa é uma longa história. Podemos nos sentar ali? Aí talvez eu te conte o que houve. — Ele aponta para um pequeno banco de concreto.
— Agora posso saber o que houve?
— Eu já namorava a um bom tempo com ela, mas recentemente ela andava com umas atitudes estranhas, até que ontem ela tentou atropelar minha irmã do nada e xingou minha mãe depois de uma discussão que tivemos sobre um suposto olhar de uma garota para mim.
— Como assim?
— Não sei. Ela me disse que eu estava indo até a biblioteca e uma garota sentada em um banco me olhou. Daí ela disse que eu tinha dado corda, que eu não estava sendo sincero com ela e tudo mais. Só que eu não faço a mínima ideia do que ela esteja falando, aí ela saiu feito louca no carro, quase atropela minha irmã e ainda xingou minha mãe quando ela a pediu para ter calma. Só que muito antes disso ela já vinha sendo dramática e ciumenta. Ontem, foi a gota d'água.
Por um milésimo de segundo cheguei a pensar que meu olhar discreto para mim e perceptível para a namorada, agora ex, foi o motivo indireto de seu termino. Mas o tom de voz de André parecia cansando de diversas situações acumuladas durante meses de namoro enquanto ele ainda falava.
— Então, é isso. Sou livre para fazer o que bem quiser da minha vida. Inclusive sair com você mais outras vezes caso deseje.
— E por que sairia como você outras vezes já que é um recém solteiro que corre o risco de a qualquer momento reatar com a namorada descontrolada e ciumenta?
— Porque você foi a primeira pessoa que me fez falar do meu pai depois de sua morte. Você foi a única que usou de um tom de voz que me deixou à vontade para tocar nesse assunto e me fez encontrar a palavra certa que definia o meu relacionamento com ele. Meu melhor amigo. E olha que mal te conheço, garota.
André não precisou de muito para me ganhar. Sua transparência nas palavras era tão apalpável quanto seu lindo olhar acolhedor. E se eu não o beijasse naquele mesmo dia, eu me culparia até hoje por não ter feito.
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O casamento dos tempos
RomanceChegou o grande dia. Foi tudo perfeitamente cronometrado e minuciosamente pensado. Havia flores por toda a pequena igreja. Pessoas apresentáveis para a ocasião. A família ansiosa e com sorriso no rosto. Havia o noivo apaixonado. Mas também havia uma...