HORA 7
— Como assim não vamos fazer nada? Ela não pode simplesmente desistir de viver. Minha vozinha não é assim! — Reclamei alto na sala quando finalmente abriram o jogo para mim. A vozinha tinha um câncer em fase terminal e que não se podia fazer mais nada. A única coisa que ela pediu foi para morrer em sua casa perto do jardim lindo que ela junto com meu vozinho plantara.
— Foi isso que sua vó pediu e vamos respeitar, Alice! — Disse minha mãe com um tom seco. Parecendo não apalpar a dor de meu pai por ver sua mãe partir aos poucos.
— Pai, por que não diz nada? O senhor é o único filho dela. Ela tem que escutar o senhor, não acha? — Indaguei meu pai, que estava sentada na sua poltrona velha enquanto olhava Diana cobrir os traços de um desenho, deitada ao chão da sala sem perceber a fatalidade da vida.
— Pai?! —Implorei mais uma vez por sua atenção.
— Desculpa querida! Não posso fazer nada. Sua avó deseja assim e é assim que será. Preciso sair agora. Deixei um carro ainda por terminar na oficina.
Ele deixa a sala enquanto minha mãe e eu o observamos.
— Com certeza ele chegará tarde esta noite! Ele sempre faz isso quando algo o incomoda ou o deixa triste! — Ela diz isso ao pegar a agulha e a blusa velha de flanela ao lado do sofá que ela está sentada.
— Então é isso? Vocês me ligaram para me dizer que a vozinha vai morrer e pronto? — Falei ainda mais chateada com a situação.
Minha mãe apenas me olha e arqueia a sobrancelha.
— Onde você vai? — Pergunta ela ao me ver levantar e pegar as chaves da casa.
— Vou ver minha vozinha e fazer ela lutar pela vida.
— Não vai adiantar, Alice. Ela já decidiu. — Dizia minha mãe enquanto eu já fechava a porta e caminhava a passos rápidos em busca da casa da minha vó.
(...)
Ainda era o mesmo jardim da minha infância. Lindo e com flores deslumbrantes. Havia flores que exalavam um cheirinho doce quando o vento sutilmente as abalançava. Era visível que naquele lugar havia amor e dedicação naquele jardim. Ainda admirando aquele pedacinho de terra molhada, observei os últimos raios de sol bater nas lindas margaridas. Não queria acreditar que aquele lugar seria a lembrança dolorosa que minha vozinha iria deixar.
Meus olhos lagrimejaram. Meu coração apertou.
Mas antes que a primeira lagrima pudesse cair, vejo a porta da casa se abrir. Era a última pessoa desse mundo que gostaria de ver agora. Talvez "nunca mais" seria o desejo.
— Alice? — Perguntou ele surpreso ao descer os degraus da pequena escada da varanda vindo em direção ao jardim.
— Daniel. — Pareceu seco meu sussurro a ao mesmo tempo surpreso.
Estávamos agora nos encarando. Era constrangedor. Mas consegui deixar de lado qualquer lembrança entre mim e ele e falar algo que cortasse o silêncio.
— O que faz aqui? — Perguntei apontado para a porta da casa.
— Bem, minha mãe, como você mesma sabe, é a filhada da sua avó. Ela me contou sobre a doença dela e eu vim até aqui para ajudá-la com o que ela precisar.
— Muito gentil da sua parte. Minha avó adora você. Mas acho que não vamos precisar da sua ajuda. Eu vim para ficar com ela. Então...
— Então...?
— Então, obrigada! Você já pode ir!
Ele começa a caminhar parecendo já ir. Mas ele subitamente se vira em minha direção e ao contrário da moça que impôs com forte som de que ele poderia ir, ele me viu de cabeça baixa.
— Está tudo bem com você? — Perguntou Daniel. Ele tenta se aproximar e me tocar. Me afasto antes disso.
— Sim, está tudo bem! Tirando fora essa parte ruim da história, eu estou ótima! Bem!
Daniel percebe que prefiro me manter distante do seu cheiro e de seu toque. O toque que um dia me deixava arrepiada e que me fazia perder os sentidos.
— Eu preciso ir. — Disse ele ao parecer deslocado ao perceber que estou áspera com ele.
— Tudo bem. Eu vou ver minha vó. Ela precisa de mim.
— Eu prometi a ela que voltaria, então... se não se importa vou continuar visitando ela até tudo... bem, até tudo acabar.
— Não vai acabar assim. Eu não vou deixar! — Respondi bravamente levantando a cabeça parecendo uma heroína prestes a salvar a pobre velhinha.
— Espero que consiga convencê-la a lutar.
— Ela vai lutar! Vamos lutar! — Dessa vez falo gritando. Acho que meu sentimento de raiva das lembranças dolorosas com Daniel se misturaram a agonia do destino de minha vozinha.
— Calma, Alice! Eu não quero que pense que já estou convencido de que não devemos lutar. Eu quero que ela lute, mas do que qualquer pessoa aqui. — Ele insiste em se aproximar de mim. Acaba de dar dois passos em minha direção diminuindo a distância entre mim e ele. — Você deveria saber disso! — Ele me toca o ombro enquanto já estou prestes a me entregar ao choro. — Se quiser posso ficar com você, ir até lá e tentar convencê-la do tratamento. O que me diz? Posso ficar?
YOU ARE READING
O casamento dos tempos
RomanceChegou o grande dia. Foi tudo perfeitamente cronometrado e minuciosamente pensado. Havia flores por toda a pequena igreja. Pessoas apresentáveis para a ocasião. A família ansiosa e com sorriso no rosto. Havia o noivo apaixonado. Mas também havia uma...