Saliha na voz
Segunda, 6:00 a.m., o despertador tocou. Eu o ignorei por um breve momento até que minha mão automaticamente tocou a tela do celular adiando o despertar por mais alguns minutos. Eu ainda estava cansada, o acúmulo de noites mal dormidas começava a pesar no meu corpo. O celular tocou mais algumas vezes, mas eu continuei deitada, até que recebi uma notificação. Peguei o celular no criado ao lado da minha cama e, ainda com a visão turva, li a mensagem. Era Hande perguntando por mim.
- Estou aqui embaixo te esperando.
- Estou descendo, me dá 5 minutos - Digo tendo um mini infarto já que tinha me atrasado muito enquanto ignorava cada toque de despertar do celular.
Me esqueci completamente que combinei de dar carona pra Hande essa semana, seu carro estava no conserto e dessa forma iríamos juntas para treino no meu carro. Eu levantei da cama como um raio, troquei de roupa, peguei um moletom preto, fazia frio em Istambul naquele dia e, sem tempo, apenas escovei meus dentes, fiz um coque desarrumado no cabelo e coloquei as roupas de treino na mochila, saí às pressas. Apertava ansiosa o botão do elevador como se cada toque fosse fazer ele chegar mais rápido. Hande odeia atrasos, ela ama acordar tarde, assim como eu, mas não se atrasa nunca. Desci e a vi encostada na porta do motorista segurando o celular e uma mochila que ela apoiava no ombro esquerdo.
- Perdeu a hora, né? - Disse Hande com um sorriso de canto.
- Perdi muito - Digo afoita abrindo a porta de trás do carro e colocando minha mochila lá.
- Dormiu mal de novo, Saliha?
- É, digamos que essa não tenha sido a minha melhor noite, mas tudo bem - Respondo ligeiramente desanimada.
- Já tem dias que você não dorme bem, não acha que tá na hora de procurar ajuda pra essa sua insônia? Estamos no começo da temporada, temos um milhão de jogos pela frente, isso provavelmente vai te atrapalhar, cara.
- É só tpm, vai melhorar, eu prometo - Digo tentando parecer convincente até pq eu não queria deixá-la preocupada.
Entramos no carro e, enquanto eu colocava o cinto e dava partida, percebo Hande me encarando com um olhar ansioso.
- Que foi? - Pergunto sem entender pq ela me olhava com aquela expressão de quem tinha algo a dizer.
- A Nati - Fala enquanto desvia o olhar abaixando calmamente a cabeça
- A Natália? Que que tem? - Estanho.
- Acho que chegamos no nosso limite - Diz enquanto coloca a mão direita na testa como quem parecia triste e bastante preocupada.
- Conta Hande, caraca, para de suspense - digo tomada por uma ansiedade incomum em saber o que estava acontecendo entre as duas ponteiras.
É quando Hande saca o celular e me mostra um story de Natália de 8 horas atrás onde ela parabenizava Bia, a também brasileira e central do time do Savino, pelo aniversário com uma declaração seguida de um "te amo" no final do texto. Eu confesso que após a leitura fiquei alguns segundos paralisada. Não acreditava na capacidade de um story de revelar as fragilidades de um relacionamento. Hande pareceu desolada muito embora seu cabelo tampasse seu rosto e qualquer resquício de lágrimas que pudesse haver. Eu, num golpe súbito, desliguei o carro, me soltei do cinto de segurança e aproximei meu corpo do dela. Levei a mão em seu cabelo e, num toque sutil, o coloquei por detrás da orelha, o que me permitiu olhar claramente seu rosto. Ela secou a única lágrima que corria e voltou seu olhar para mim. Nesse momento eu fui brutalmente atingida pelo olhar responsável por toda a insônia que me assolava há dias. Ficamos alguns segundos olhando fixamente no olho uma da outra quando Hande, inconscientemente, deslizou o olhar sobre meus lábios e rapidamente virou seu rosto para a janela dando um suspiro subsequente. Era como se o mundo tivesse parado, como se o frio de Istambul naquele momento tivesse sido tão intenso que fora capaz de congelar tudo, até o tempo. Então, como em um estalar de dedos, voltei à consciência.