Saliha na voz
A música continuou rolando e eu, por um ligeiro momento, fixei meus olhos na janela em frente à minha sala de jantar onde havia uma visão incrível pelo horizonte de Istambul. Me peguei assumindo para mim mesma, ainda que apenas em pensamento: Hande estava mexendo comigo de uma forma diferente e eu estava perdendo o controle sobre a situação. Assumo! Minha insônia tem nome, sobrenome e posição em quadra. E já tem um tempo tudo isso. Tem um tempo que eu comecei a me sentir incomodada com a "presença" da Natália, com as fotos das duas juntas, com a forma como Hande elogiava a ponteira brasileira e lembrava dos inúmeros títulos dela. Eu sei da crise entre elas e não que eu queira o pior mas toda vez que Hande corre pra mim para desabafar sobre Natália, eu sinto vontade de colocar Hande num potinho, de proteger ela do resto do mundo inteiro.
Depois de alguns minutos volto à realidade assim que meu gato, Ruddy, derruba um porta-retratos que fica encima da mesa de centro da minha sala.
- Ruddy! – Digo brava não pelo porta-retratos, mas pelo susto que levei com o barulho.
Me levanto da mesa em direção à sala e assim que pego o porta-retratos para colocá-lo novamente no lugar, vejo a foto da minha família e nesse momento, um mal-estar toma conta de mim. Eu não poderia deixar meu pensamento ser tomado por Hande, afinal, como raios eu justificaria isso pra eles?
- Cara, que fase! – Digo em voz alta, externalizando a guerra que havia em minha cabeça. Então coloco o porta-retratos encima da mesinha e me jogo no sofá que havia em frente. Deitada, olhando pro teto sigo conversando comigo mesma em meio às mil paranoias que já haviam surgido.
- E eu vou continuar mentindo? Mentindo na mesma proporção que minto pra ela? De onde eu vou tirar tantas desculpas pra não contar a verdade? E se eu contar tudo e Hande achar tudo isso loucura?? – Me questiono de forma cansativa e pasme, nenhuma, NENHUMA resposta me vinha à mente, só perguntas seguidas de um medo quase paralisante de falar sobre tudo isso e acabar afastando todas essas pessoas de mim.
- Vai dormir nunca desse jeito, Saliha – Digo pra mim mesma e no final acabo rindo pelo nervoso.
Meu celular vibra e adivinha? Suspiro bloqueando-o novamente. Era Baladin. Por um lado, a ansiedade, que já estava presente, só ficou ainda mais evidente e, por outro lado, eu ficava muito animada de saber que, caraca, ela me mandou uma mensagem. Era um misto de preocupação associada a um comportamento semelhante ao de um pré-adolescente apaixonado pela primeira vez.
- Adivinha o que é meu jantar hoje?
- Hande, se você está comendo potato dish e não me chamou, cabeças rolarão! – Aviso logo de imediato.
Ela então manda um áudio em meio a risadas
- Você acha que eu faria sua comida favorita e não te chamaria pra vir jantar comigo? Que tipo de amiga você acha que eu sou, Saliha? – Diz ela ironicamente indignada
- Eu espero sinceramente que isso não aconteça! Respondo por mensagem dando um tom bravo, acompanhando a ironia dela.
- Vai mulher! Adivinha! – Diz me apressando
- Vai você Hande, fala logo, tá me deixando curiosa.
- Sopa de iogurte!
Ela me responde mandando uma foto da tal sopa. É um clássico Turco mas eu não gosto nada, inclusive passo longe mas essa, incrivelmente, era uma das comidas preferidas dela, perdia apenas pra Hambúrguer.
- Meu Deus, cara, jantar de centavos esse, que coisa horrível! Olha que comida pálida. Eu não sabia que atleta se alimentava assim não, hein?
Ela ri e na sequência manda um vídeo. Sim, um vídeo! E ela, por sorte, não estava jantando sopa de iogurte, mas sim macarrão.