New Estate • Bella Hadid

the three-headed monster

Eu faço meu caminho para casa mas de última hora decido passar na frente da Catholic University School.

Os portões estão abertos quando chego no lugar. A escola parece estar vazia mas eu entro da mesma forma. Olho ao redor, observando que o pátio é extenso mas já desgastado. Tem várias pichações pelos muros do lugar e algumas bicicletas mais ao longe. Algumas paredes tem mensagens bem claras, com coisas como "BRITS OUT" e "BORIS JOHNSON IS A CUNT", há outras frases mais pesadas, muitas até pesadas demais para estarem nas paredes de uma escola católica.

O pátio da minha outra escola parece um outro mundo quando olho para essa.

Volto para casa e tento passar despercebida quando coloco os pés na sala. Minha mãe está fazendo algo na cozinha e meu pai não está em lugar algum para ser visto, mas sei que ele está ali porque o carro está na frente de casa.

Eu faço meu caminho até o quarto de Jesse e bato na porta esperando ele abrir. 

— Você está aí? — pergunto.

— Aonde mais eu estaria? — a voz dele soa calma.

— Não sei, na cozinha? — pergunto, como se fosse óbvio.

— Eu estou aqui — Jesse diz e eu quase consigo ver ele revirar os olhos.

Demora uns segundos até ele abrir a porta, mas ele abre, e eu entro dando de cara com o ambiente imerso em uma meia-luz, cheio de fumaça.

O quarto de Jesse é cheio de armários e estantes com livros, alguns de art pop, outros de filosofia e música. Tem um pôster do Freud na parede, bem ao lado da cama, além de vários pôsteres de bandas antigas espalhados pelo quarto.

Tem ainda uma pequena televisão no canto do quarto, uma guitarra vermelha apoiada na parede, mas o mais importante, tem uma coleção de discos de vinil, todos muito bem organizados em ordem alfabética.

Jesse senta na poltrona velha, mas muito confortável, que ele ama e só então eu percebo que ele está com um cigarro em uma mão e uma garrafa de Guinness na outra.

Eu me apoio na parede, bem perto da porta.

— Você parece preocupada, minha querida irmã — a voz dele soa irônica, como sempre, e eu reviro os olhos sem conseguir evitar a reação — Senta aí — ele aponta para a cama e eu me sento bem na beirada da cama de casal, encarando meu irmão — Você começa segunda?

— Sim.

— Você vai ficar bem — ele dá de ombros — Você só precisa encontrar um jeito de fazer com que as pessoas mais perigosas do lugar não te notem.

— Como eu faço isso?

— Como eu saberia?

Eu franzo o cenho e me controlo, tentando não falar nenhuma besteira.

— Eu estou com a sensação de que eu vou para uma prisão — revelo.

— E você vai — nesse ponto parece que nada que Jesse vá falar me acrescente em algo e eu suspiro fundo, um pouco cansada já — De algum jeito é isso mesmo. Todas as instituições são prisões — ele dá de ombros — Mas você entende que isso é apenas uma parte pequena de uma imagem enorme? Essa mudança de escola?

— Do que você tá falando? — pergunto realmente confusa. 

— Eles — ele aponta para baixo — Estão pensando em se separar, eu tenho quase certeza. Eu ouvi eles brigando de madrugada e falando um monte de merda, no-meio-da-noite. No meio da noite!

— Você ouviu? — a minha expressão certamente entrega que eu não estou certa do que Jesse fala — Por que você não estava dormindo?

Ele ri, como se a minha pergunta tivesse sido ridícula.

— Eu vou ter muito tempo pra dormir, acredite — ele traga o cigarro e estende na minha direção, mas como que lembrando de algo desfaz o movimento — Não, você ainda é uma criança.

— Eu tenho 17.

— Uma criança.

Jesse se levanta. Ele alcança a pilha de discos e parece procurar por algo. Minha atenção cai para aquela movimentação e eu vejo quando ele suspira frustrado por não achar o que está procurando.

— Sabe... — ele começa — Isso é só o começo do processo. Eles vão começar a te mudar de escola e então as coisas vão ficar piores do que estão. Em algum momento eles vão seguir caminhos separados e essa casa vai ser vendida — ele me olha por alguns segundos — A nossa pequena caverna está sob ameaça, irmã. Os monstros estão por toda a parte. O monstro de três cabeças.

— Que monstro? — pergunto sem saber se é uma boa ideia porque já não sei até que ponto Jesse está falando sério e até que ponto isso é só ele sob efeito do álcool.

Jesse parece encontrar o disco que tanto queria. Ele ignora minha pergunta e tira o vinil da capa.

— O monstro... Os monstros são a infidelidade, o medo, o ego, e o materialismo.

— Esse monstro tem quatro cabeças — comento.

— Você está perdendo o foco  — ele diz e mais uma vez eu reviro os olhos — Essas coisas estão destruindo o casamento deles, e agora você está sendo testada. Essa é a sua hora, eu já tive a minha.

— E o que aconteceu?

— Coisas péssimas —  ele balança a cabeça e respira fundo. Jesse caminha até a vitrola nova, que tem um tom de rosa bem claro, e que ele comprou recentemente. Ela está disposta em uma mesinha pequena e é a única coisa ali — Sabe, essa é uma chance ótima para você, uma chance para quebrar esse ciclo de merda. Aquela escola de jesuítas teria feito você uma outra médica ou advogada em meio a milhares de médicos e advogados. " Você precisa fazer dinheiro", eu consigo ouvir as pessoas de lá falando isso.

Eu mantenho o olhar em Jesse, totalmente confusa com o caminho que nossa conversa está tomando.

— Eu lembro que fiz um robô naquela escola, eu era muito bom no grupo de robótica, mas quem quer um robô? Ninguém! — ele aumenta um pouco o tom de voz e nesse momento eu já não tenho ideia do que estamos falando — Essa mudança de escola vai ser boa para você. Quem sabe isso te traga novas experiências... Hm!? Isso parece bom, não...? Olha, você está em uma jornada de heroína. Como você vai se sair nisso?

Jesse pergunta mas não espera uma resposta e eu já estou perdida o suficiente para não ter ideia do que falar. Ele então coloca o disco na vitrola e no momento que a agulha atinge o vinil eu escuto a voz do Ian Curtis tomar conta do quarto.

"Change of speed. A change of style. A change of scene. With no regrets. A chance to watch. Admire the distance. Still occupied. Though you forget..."