stuck in the 80's... or the 90's?

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Eu e Jesse corremos na direção da sala assim que o relógio marca sete da noite.

Eu ainda estou usando o uniforme da escola mas já sem meus sapatos, estou apenas com uma meia branca nos pés. Jesse está de moletom preto, um já velho da adidas, com uma bermuda folgada numa cor rosa e com uma touca amarela bem simples.

Meu pai está na sala de jantar, com a vista para onde estamos. Ele ainda está bem arrumado, o colar da jaqueta dele está virado e ele está com um cachecol verde no pescoço. Ele bebe um copo de Whiskey com gelo, e parece completamente mergulhado no que está fazendo, envolto de vários papéis com desenhos arquitetônicos.

Jesse se senta no chão, no carpete, e eu tomo um lugar no sofá maior, de frente para a televisão.

— Eu posso acender a lareira? — meu irmão pergunta.

— Não — a resposta do meu pai é simples e Jesse suspira irritado mas não comenta nada.

— É terça-feira, sete da noite. É hora do Top of the pops! — o cara da tv diz.

Minha mãe entra na sala de jantar, e aquela é a primeira vez que eu a vejo desde que cheguei em casa da escola. Ela está usando um cardigan vermelho que parece bem quente, enquanto bebe um café, e eu vejo quando ela se senta ao lado do meu pai e comenta alguma coisa com ele.

A televisão chama minha atenção e a lista com as músicas mais tocadas do mês começa a passar.

— Porque a gente ainda vê esse programa? — pergunto.

— Não sei — Jesse dá de ombros — Acho que dá uma ideia de que ainda estamos nos anos noventa e isso é meio que estranho mas divertido. Tipo, isso é algo que provavelmente só tem aqui.

O vídeo de "Lights Up" do Harry Styles começa e eu me vejo focada na tela da televisão. Jesse não está diferente, e ele repara em tudo. Roupas, música, vídeo e letra. Meu irmão então começa a falar e eu pareço uma estudante entusiasmada ouvindo sobre o que ele tem a dizer.

— Tudo que esse cara fizer daqui pra frente vai fazer sucesso. Ele tem carisma e presença e ele não tem medo de inovar. De algum jeito ele conseguiu se transformar completamente e a imagem dele de agora é muito diferente da de anos atrás. Sério, olha as roupas que ele usa. Ele parece que se diverte fazendo isso... — Jesse diz — Hm, e o Mitch Rowland é provavelmente o guitarrista de banda de apoio mais sortudo do mundo, ele não tem que lidar com as questões da fama mas não só faz o que gosta como ganha dinheiro pra caralho com isso. 

— Esse garoto não é exatamente os Beatles, hm!? — meu pai comenta e só então eu vejo que ele está com o olhar focado na televisão — Na minha época os Beatles eram demais.

— Pai, o senhor viveu os anos oitenta — eu digo — Os beatles já nem estavam mais juntos nessa época.

— Mas eles ainda eram demais — meu pai dá de ombros — Olha pra isso agora, esse garoto  usando essa roupas estranhas e envolto de gente.

— Isso é arte — Jesse respondeu — Mas não é como se você fosse entender, aparentemente você parou nos anos oitenta e nunca mais saiu de lá.

— Bem, os anos oitenta me parecem muito mais divertidos do que isso — meu pai diz mas continua focado na televisão — Se isso é o nosso futuro nós estamos ferrados. Ele não está nem cantando ao vivo!

— Porque isso é um vídeo — Jesse rebate — As pessoas fazem vídeos para as músicas, na sua época elas já faziam mas aparentemente você é a única pessoa do mundo que não sabe disso.

— É verdade — eu comento e meu pai apenas revira os olhos.

— Ele é bem bonitinho — minha mãe comenta.

— Vá ficar com ele — eu escuto meu pai falar e solto uma risada leve mas baixa,

— Eu iria se fosse vinte anos mais nova.

— Olha, ele é demais... — Jesse diz.

— Por que ele não canta ao vivo? — meu pai pergunta.

— Ele canta ao vivo — eu respondo — Ele só não está fazendo isso agora.

— Que tipo de tirano pode não gostar disso? — Jesse pergunta de maneira retórica, e eu já sei aonde isso vai nos levar.

— Isso por si só já é tirania — meu pai diz — Olha essas coisas na tela.

— Por favor — minha mãe pede — Vamos tentar não começar um debate filosófico.

— E por que não começar um? — meu pai pergunta.

— Porque você vai perder — isso é Jesse quem fala e eu sei que meu pai está pronto para entrar na discussão mas um simples olhar da minha mãe faz com que ele suspire irritado e apenas se levante indo até a cozinha. 

Alguns minutos depois eu ainda estou na sala quando Jesse puxa um assunto sobre James. Minha mãe não está mais ali na sala de jantar, então somos apenas eu e Jesse.

Eu havia comentando com ele sobre a garota, porque o olho no meu roxo me obrigou - sim, está feio nesse ponto - mas não tínhamos nos aprofundado. No entanto, encarando um clipe aleatório da Dua Lipa ele achou que talvez fosse um bom momento para entrarmos naquele assunto.

— ... A coisa com a James é que ela é, muito provavelmente, uma vítima também. O bullying é um ciclo. É tipo o nosso pai. O pai dele pisou nele e fez pouco caso dos sonhos que ele tinha, e agora ele faz isso com a gente. Não tinha nem como esperar outra coisa.

— Certo...

— Então a gente tem que quebrar esse ciclo, você concorda?

— Sim...?

— Sendo sincero, essa James é provavelmente queer e ela está sofrendo com isso, jogando isso nas pessoas enquanto esconde quem é e socando rostos de garotas além de enfiar a cabeça de pobres meninos na privada. O que ela fez no banheiro com você é muito provavelmente uma parte disso tudo.

— Sério? — pergunto interessada de verdade. Jesse é meio estranho mas eu confio na maioria das coisas que ele fala. Ele é bem inteligente.

 — Provavelmente — ele dá de ombros — Aquela escola não é um bom lugar para ser queer, e ela deve sofrer com isso, igual a você. Mas o único jeito de tirar ela de trás de você é entender quem ela é. Pra derrotar a James, você precisa perdoar a James — é tudo que ele diz antes de voltar a atenção para a televisão, e eu continuo ali.

Pensando sobre o que acabei de escutar.

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