the school of non-riches

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É segunda de manhã.

Várias crianças e adolescentes estão amontoadas na entrada da Catholic Univesity School, e eu tenho que andar em meio a diversos rostos desconhecidos para conseguir chegar aonde quero. Os olhos de todos estão em mim, ao menos a sensação é essa, e eu quase me sinto em um filme de velho-oeste, naquelas cenas clássicas em que um estranho chega na cidade.

Tem adolescentes fumando no pátio e outros bebendo energético - e eu não sei se é realmente energético ou se é algo mais forte.

Mais a frente uma briga irrompe e um pequeno círculo se forma ao redor das duas garotas. Elas puxam os cabelos uma da outra e eu tenho quase certeza que vi uma delas receber um soco na boca. Outra está com o nariz sangrando e eu não continuo ali para ver o restante da confusão. Apresso meu passo e algo me chama atenção, no segundo andar do prédio escolar, tem um senhor em seus cinquenta ou sessenta anos. Ele está usando um terno preto com uma clérgima - aquele colarinho na cor branca que envolve o pescoço - e observa a briga calmamente, mas não parece disposto a fazer nada a respeito daquilo.

Eu desvio de algumas pessoas, e mantenho minha atenção no caminho, focada em chegar na sala de aula viva e bem. 

E consigo.

Eu estou sentada nessa sala de aula espaçosa e velha. Ela não é muito diferente do lado de fora, algumas paredes tem rabiscos e a parte de trás é forrada com uma madeira resistente. As janelas são enormes e brancas e mostram toda a vista que cerca a escola, uma vista decadente.

As mesas são conjuntas, duas em duas; duas pessoas por mesa, e a sala comporta umas cinquenta pessoas mas só tem trinta e cinco ali.

Tem um padre na frente da classe, e eu sei o nome dele porque minutos atrás ele revelou se chamar Barnabé - sim, como na bíblia. Ele está usando uma batina na cor preta, aquela roupa eclesiástica com a característica clérgima no pescoço, e anota alguns escritos em latim no quadro.

Barnabé não tem menos do que cento e quarenta anos - e eu falo sério. Ele é velho, muito velho, e usa um aparelho auditivo, além de óculos pequenos e fundos. Parece que ele, mesmo com o aparelho auditivo, não escuta muito bem porque a sala está uma bagunça e ele age como se tudo estivesse normal.

Eu estou no meio da sala, não na frente, mas também não no fundo.

No meu lado esquerdo, no fundo da sala, tem uma garota fumando um cigarro e soltando fumaça na direção da janela, como se fosse uma chaminé.

No meu lado direito, dois garotos estão segurando um terceiro e fazendo ele engolir algo que eu não sei o que é e não pretendo descobrir.

Na frente da sala, o irmão Barnabé tira um pequeno cantil debaixo da batina e bebe um gole. Eu desconfio que aquilo não seja água mas não digo nada, porque aparentemente isso é o menor dos problemas nesse lugar.

A porta da sala se abre, e então um senhor entra. A sala cai em um silêncio e todos se levantam, eu apenas sigo o que estão fazendo e quando foco a atenção na figura nova na sala, reparo que é o mesmo homem que estava na janela do segundo andar, observando o pátio na hora que cheguei.

— Bom dia, irmão Baxter — todos falam em uníssono e eu até tento acompanhar mas minha voz mal sai.

O homem, que agora eu sei que se chama Baxter, acena com a cabeça e faz um sinal para que todos se sentem, ele então se aproxima da frente da sala e para ao lado de Barnabé, colocando a mão no ombro do senhor, impedindo que ele continue a escrever no quadro.

— É francês, irmão Barnabé.

— Hm? — o velho parece confuso e nesse momento eu também estou, mas o restante dos alunos parecem entender bem o que está acontecendo.

Ele faz essa merda todo dia — eu escuto uma garota comentar ao fundo sala.

Trinta anos nessa escola e ele ainda não sabe que ensina apena francês — outra comentou.

— Você ensina francês e não latim — Baxter explicou. Ele tem esse sotaque forte, muito mais forte que o meu, e não parece ser da cidade.

— Oh, que moderno — Barnabé sorriu de leve — Eu me confundi.

— Tudo bem — Baxter disse e se virou para a sala — Sendo sincero, eu ficaria surpreso se vocês aqui soubessem aonde fica a França, imagina falarem a língua.

Eu não tenho ideia se aquilo foi uma piada, uma tentativa de ser engraçado ou se ele está sendo sério e esperando alguém falar algo, mas de qualquer forma levanto a mão.

— Oh, vamos lá — Baxter acena na minha direção, e me deixa ter a palavra.

— A França fica no continente, acima da Espanha.

Baxter me encara com uma expressão surpresa no rosto, e então diz: — Olha, olha. Como você sabe disso? 

— Meus pais me levaram até lá alguns verões atrás — explico — Fomos de carro.

Eu escuto alguns risos vindo do fundo da sala, e tenho quase certeza que alguém disse algo como "a filha da puta é rica" mas não digo nada sobre.

— Você é a garota nova — Baxter diz — A que veio da escola dos jesuítas.

— Sim — respondo simples.

— "Sim, irmão", é assim que você me responde — ele me corrigi  e eu aceno positivamente mas já não sei o que dizer, ele então continua — Qual o seu nome?

— S/n, S/n Lyons — respondo, e mais uma vez escuto risos vindo do fundo da sala.

— Silêncio! — Baxter aumenta o tom de voz — Vocês deveriam abrir seus livros pelo menos uma vez nessa vida e olhar no mapa, quem sabe saberiam alguma coisa nessa vida. E você — ele me encara — Seja bem-vinda. As rezas matutinas são as oito e quarenta e cinco. O primeiro intervalo é de dez minutos às onze da manhã. O segundo intervalo é às uma da tarde e dura quarenta e cinco minutos. A cantina fica depois do P.E Hall, e eles servem quase todo tipo de snacks. Seus colegas vão te mostrar o restante das coisas, e mais uma vez, seja bem-vinda.

— Obrigada.

Baxter acena de leve e se vira, ele se prepara para sair e a sala parece estar pronta para isso quando algo chama a atenção do homem.

— Nós temos uma política de sapatos — ele diz e eu então reparo que o olhar dele está nos meus tênis brancos, novos — Apenas sapatos pretos. Seus pais deveriam ter lido o livro introdutório, página 142. Eu vou deixar isso passar hoje mas à partir de amanhã...

Baxter não conclui, e não precisa. 

— Ah, e amanhã se reporte para mim, nos primeiros minutos da manhã, com os sapatos pretos — Ele diz e não espera uma resposta, e sai da sala logo em seguida. 

A atmosfera então volta ao normal.

A agitação toma conta. A garota do fundo da sala solta a fumaça do cigarro na direção da janela, os outros voltam a conversar e o irmão Barnabé continua a escrever no quadro. Eu suspiro de leve, pensando que terei que usar meus vans já velhos porque são os únicos sapatos completamente pretos que tenho.

Tento lembrar do que Baxter disse antes da coisa toda dos sapatos, e então reparo que não tenho ideia do que ele disse a respeito da cantina. 

Encaro o garoto ao meu lado, que divide a mesa comigo, e me inclino de leve.

— Desculpa, mas, hm, aonde ele disse que fica o restaurante? — pergunto.

O garoto é alto, ele usa um corte simples nos cabelos lisos mas a expressão dele é a de que a qualquer momento ele pode te acertar com um soco, e eu me arrependo de perguntar qualquer coisa assim que as palavras deixam a minha boca.

— O restaurante? — ele ri irônico.

— A cantina — me corrijo.

— Ela fica depois do P.E Hall — ele responde, como se eu fosse saber aonde o P.E Hall fica — E não se esqueça, "Cantina", você não está na porra da sua escola de riquinhos.

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