Capítulo 10 - Sobrenatural

145 28 0
                                    

 Outra segunda feira se passava e nem sinal da camisa xadrez pelos arredores do ônibus.

Chenle não tentava mais lutar contra a preocupação. Estava a ponto de não dormir bem, de tanto pensar nele.

Só de imaginar aquela criança gigante escorada nos cantos de algum beco escuro, sujeito ao frio da noite e todos os outros mil perigos das ruas, seu corpo enrijecia e o sangue nas veias esquentava.

Tudo aquilo parecia surreal. Coisas que ele só havia visto na TV — pois nunca tinha dado atenção quando o assunto era as pessoas de sua escola que viviam em situações semelhantes.

Pois é. Precisou acontecer com alguém tão próximo, para que Chenle fosse capaz de abrir os olhos e notar o quão injusto o mundo agia com quem desafiava seus moldes.

A primeira aula estava quase acabando. Batucava seu lápis na folha de caderno, enquanto encarava o teto, se perguntando qual tinha sido a última vez que Jisung havia dormido bem.

Seus olhos triscaram para o corredor. A porta da sala estava aberta, mostrando um aglomerado de alunos de outra sala descendo as escadas. Provavelmente, teriam a próxima uma aula no auditório.

Em meio a multidão, Chenle jurou ter visto algo.

Tinha quase certeza que seu olhar havia esbarrado em lápis de olho vermelho e longos fones de ouvido branco.

Mas antes de tomar alguma atitude precipitada, inclinou seu corpo para frente, cutucando o garoto da carteira anterior a dele.

— Ei, Renjun... — Sussurrou. A explicação alta do professor abafava o som de sua voz. — Sabe se o Jisung veio hoje?

O gremista interrompeu suas anotações. Virou seu rosto para o lado, falando igualmente baixo:

— Acho que ele ia tentar chegar na segunda aula.

Por dentro, Chenle comemorou com fogos de artifício.

Por fora, respondeu:

— Ah. Obrigado.

Chenle observou durante o almoço. De novo, estava tentando encontrar um momento certo para se aproximar, mas a expressão dura no rosto dele simplesmente não dava espaço para nenhuma abertura. Jisung havia almoçado sozinho e trocado algumas palavras com Yeojin — o único instante em que seu humor pareceu um pouquinho mais leve. O perdeu de vista quando ele passou com sua mochila em direção a área verde da escola.

O metaleiro limpou sua bandeja, disse para os amigos que ia acender um cigarro. Não era mentira. Só não podia desperdiçar aquela chance, ou teria noites mal dormidas regadas por culpa pelo resto da semana.

Seus coturnos esmagavam galhos e folhas secas. Passava entre as árvores, soprando a fumaça para cima. De onde estava, já podia ver a silhueta curvada que brincava com as linhas desfiadas dos buracos de sua calça.

O volume no último não deixava Jisung ouvir que alguém se aproximava. Por isso, levou um susto quando viu alguém se sentar ao seu lado, e outro susto quando identificou quem era.

Pausou sua música, já sabendo que ia se arrepender disso.

— Se é pra me chamar de viadinho ou dar mais um daqueles seus chiliques, cai fora. Esse não é um bom dia. — Disparou. Não fez questão de olhá-lo nos olhos.

Mas Chenle, sim.

Antes de falar qualquer coisa, tratou de observá-lo de perto. A expressão normalmente tranquila, mas ao mesmo tempo, acoada, como se o tempo todo Jisung estivesse intrigando pessoas à descobrir a grandiosidade do seu sorriso, estava ríspida e sólida como uma rocha. As roupas estavam amassadas e meio encardidas porque não saiam de seu corpo há dias. A maquiagem estava desbotada. Os olhos naturalmente pequenos estavam ainda menores, devido ao inchaço e as manchas escuras abaixo de cada orbe, além de pequenos arranhões em seu rosto marcados pelo chão áspero das ruas da cidade.

LET THE KIDS STAY RAW!Onde histórias criam vida. Descubra agora