22 • Algodão Doce.

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Parte 2 | Presente | 4 Anos Depois

Alexis

A doce brisa de um dia corrido. Sim... aquela mesma brisa que trás em conjunto o cheiro de suor dos trabalhadores locais e o de baunilha das cafeterias lotadas no fim do dia. O céu nublado do Canadá já não é mais grande novidade desde que vim morar no país, cinco anos é bastante tempo para quem pretendia voltar para os Estados Unidos logo após terminar o ensino médio... acontece que muitas coisas aconteceram desde que terminei o ensino médio. Eu ainda não sei o que aconteceu na minha vida, mas de um dia para o outro eu completei vinte anos e estava morando sozinha em meu próprio loft que comprei com meu próprio dinheiro.

A vida adulta é de longe a situação mais complicada que já presenciei. Me tornei "adulta" muito cedo, isto porque quando minha vida virou de cabeça para baixo no ensino médio eu dei um jeito de tentar juntar meus pedaços e comecei a trabalhar quinze horas por dia até juntar um bom dinheiro e investir em um lugar que fosse só meu. Minha vida sempre foi uma completa bagunça, e de certo que continua sendo... todo maldito dia eu tenho que lidar com a realidade ensurdecedora de ter dois empregos e ainda ser obrigada a fingir que gosto de estar na faculdade. Eu sou a garota mais mentirosa do mundo por estar estudando artes, eu odeio essa merda, odeio como a arte parece mil vezes mais interessante que a minha vida monótona, odeio como cada frase dos tempos antigos parece dolorida demais para ser compreendida por meu pobre coração, odeio como tudo o que faço me lembra ela... é a pior merda do mundo estar em um curso onde a cada parede que olho me sinto sufocada ao me lembrar dos desenhos dela, os desenhos que ela deixou escondido no meu quarto sem ao menos me avisar. E tem sido menos dolorido tratá-la apenas como um pseudônimo ao invés de relembrar seu nome a cada pensamento.

Meu corpo treme quando o rapaz encorpado da mesa cinco bate a mão com força na mesa para chamar minha atenção para si. Pego o caderno de anotações e, com os patins ridículos encaixados nos pés, vou deslizando até a mesa onde ele está. Ele costuma frequentar o café onde eu trabalho todos os dias, já estou me acostumando com o rosto dos clientes.

- Mais um café expresso, por favor - é o que diz.
Sua voz é uma mistura homogênea entre prazer e dor, nunca consigo distinguir o que ele carrega dentro de si, mas a forma incrível como sua voz muda quando ele acrescenta o por favor na frase todos os dias é fenomenal. De fato uma arte. Aposto que sua esposa ou esposo aprecia deste mesmo fato todos os dias, mas em momentos completamente distintos.

Há uma grande aliança dourada no dedo dele, eu também marcaria território se ele fosse meu marido. Não que eu entenda muito sobre essa merda toda, mas estou tecnicamente casada desde que completei dezoito anos... Mathias. Ele mal fica em casa, mas me permite experimentar de novas sensações sempre que lhe peço. As vezes é constrangedor chegar em meu namorado e ter que implorar por sexo, mas tem dias que estou tão exausta que um pouco de "amor" é tudo o que quero. Encontrar amor em Mathias é quase como encontrar uma agulha em um palheiro, tecnicamente impossível, mas o um por cento de probabilidade eu encontro durante o sexo e é por isto que imploro todos os sábados isto a ele.

Eu estou tão exausta para ter que lidar com mais merdas hoje... ontem não tive minhas preciosas três horas de sono como costumo ter! Eu só durmo três horas por dia, isto porque preciso conciliar meu emprego diurno, garçonete do café onde estou neste exato momento. As três horas de aula na faculdade que vão das cinco da tarde às sete e meia da noite e então há uma pausa que uso duas horas para organizar minha casa, fazer toda as atividades da faculdade e descansar os olhos até às onze da noite, que é quando tomo banho e vou para a boate onde trabalho como bartender. Eu preciso dessa renda extra para sobreviver, é patético como minha vida sempre foi uma merda e continua sendo. Ainda tenho que lidar todos os dias com o bendito TDAH que me corrói a cada segundo, parece até ter piorado desde que parei de me consultar com minha terapeuta.

Eu Ainda Me LembroOnde histórias criam vida. Descubra agora