Capítulo 7: Me desculpe.

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Fazem dias

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Fazem dias. Não sei quantos, mas fazem. Nunca mais o encontrei no restaurante do Mhanuel, nunca mais ele veio a minha casa e eu me culpo todos os dias por ter falado daquele jeito.
Aquele garoto precisa de ajuda, mas aquela forma de chamar atenção ou qualquer outra outra coisa que ele queira, é estranho e não é saudável.
Eu gostaria de ajudar ele, gostaria de pedir desculpas desde que desci de sua moto, gostaria de cuidar de suas feridas e achar alguma maneira de fazê-lo parar, mas eu simplesmente não sei como fazer.

"biiiiibiiii"

As janelas e porta do meu quarto estão fechados, mas é possível ouvir aquele som ensurdecedor de uma buzina irritante penetrar meus ouvidos. Seria ele?

-Senhorita Sigrid, tem um homem...estranho e desgrenhado a procurando.- Alfred dá suaves toques em minha porta, então eu saio correndo pelas escadas sem agradecer.

Vovó não está em casa, pois foi visitar seu clube do livro na casa de uma de suas amigas. Ela não sabe que esse garoto já veio aqui, mas eu posso explicar depois.

-Per, é você?- Abri a porta da frente e lá estava ele um pouco suado, percebi um leve sorriso que foi engolido a seco quando ele me viu.
-Sim, eu...- Ele evita me olhar e não consigo manter meu orgulho. Por algum motivo, eu sorri ao vê-lo mesmo que não quisesse.- Eu queria conversar com você, mas precisa ser em outro lugar.
-Eu não posso sair, não avisei a...- Entrelacei minhas mãos.
-É, eu já sei o que vai dizer.- Ele continua olhando seu capacete, me evitando e se fazendo de durão.
-Nós podemos conversar embaixo da macieira, o que acha?- Cheguei perto dele apontando para a árvore, mas ele parecia se afastar aos poucos.
-Tudo bem então.- Ele respondeu olhando o horizonte, percebi que sua mão estava quase encostando na minha, mas quando olhei e sorri, ele se afastou novamente.

Sentamos calados embaixo da árvore que tinha um cheiro doce e puro de maçã. Vovó e eu sempre colhíamos maçãs para fazer sua deliciosa e secreta receita de Tarte Tatin. Meu pai lambia seus dedos quando comia, mesmo que fosse antiético na visão dele, mas o gosto era irresistível.

-Então...- Ele coloca suas mãos atrás da cabeça, mas é possível sentir um cheiro de suor vindo de sua blusa.
-É...- virei rapidamente o rosto para o outro lado.
-Sobre aquele dia...- ele olha para as maçãs presas aos galhos.
-Sim...
-Eu...- Ele toca na grama e olha para todos os lados.-Eu não consigo fazer isso, me desculpe.- Ele se levanta, mas eu puxo seu braço.
-Per, por favor, não se vá. Eu quero te escutar.- Ainda segurando seu braço, eu disse isso, que de alguma forma o tocou.
-Você está falando sério?- Ele se senta no chão e me olha quase encostando seu rosto no meu.
-Sim. Eu quero escutar você, eu quero te ajudar.- Segurei suas mãos ásperas e calejadas.
-Acho que eu deveria dizer obrigado por isso.- Seu olhar se perdia no meu.-Eu queria pedir desculpas, mas não sei o que fiz de errado.
-Per, não quero que me peça desculpas. Quero que você peça ajuda, é disso que você precisa. Olhe para os seus braços, essas cicatrizes, sua expressão de dor e sofrimento em seu rosto. Você acha isso normal?- Vi seus olhos se encherem de lágrimas, mesmo que sua cabeça estivesse baixa.
-Se você entendesse a minha dor, saberia por que faço isso.- Suas mãos tremem junto as minhas, mas logo ele se solta.
-Eu não sei o que se passa na sua cabeça, mas eu gostaria que você me contasse. Eu gostaria de alguma forma te ajudar a perceber que isso não é normal.- Toco em seus cabelos macios.
-Você não conseguiria entender, nossas realidades são diferentes.- Ele revira seus olhos e balança a cabeça negando.
-Quero que você me explique, vou me esforçar para entender.-Observei seus olhos olharem no fundo dos meus. Ele parecia confortável estando alí comigo.- Por favor.
-O que você faria se sentisse algo te seguindo? Algo que só você pode ver, algo que costumava te assustar, mas hoje te escuta e te consola, diferente das outras pessoas?- Seus olhos pareciam perdidos agora, como se olhassem para o nada.- E se todas as pessoas pensassem que você é maluca por ver esse 'algo', e te tratassem como se você fosse esquizofrênico ou qualquer merda assim? Você acha que teria condições de estar sóbria todos os dias? sem dor, sem automutilação, sem sofrimento, sem o seu eu interno te implorando para morrer porque aqui não é o seu lugar? Acha que conseguiria estar viva?

Eu não conseguia dizer nada. Era algo totalmente sem resposta, aquilo somente me dava uma tristeza profunda. Mais uma vez, eu tive certeza de que ele precisa de ajuda... urgente.

-Eu não sei como é sentir tudo isso, mas eu não te acho esquizofrênico. Você é uma pessoa boa e você tem um talento incrível, só não sabe disso ainda, mas eu quero te ajudar a enxergar isso.- Toquei em suas cicatrizes e feridas necrosadas, ele fechou seus punhos suavemente e sorriu.
-Eu preciso te levar em um lugar especial como agradecimento.- ele sorri mostrando seus dentes.- Agora eu preciso ir, mas amanhã bem cedo eu passo na sua faculdade pra te buscar.
-Oh, é que eu...- Ele me interrompe me dando um abraço caloroso e apertado. Minhas mãos não sabiam oque fazer.
-Tchau Sigrid, até amanhã. E calce botas.- Ele vai até sua moto sem que eu me despeça.

Que lugar deve ser esse?

Amo-te morteOnde histórias criam vida. Descubra agora