Capítulo 8: Lua congelante

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Passei o dia inteiro limpando e consertando minha moto

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Passei o dia inteiro limpando e consertando minha moto. Eu tenho um encontro, bom, se é que posso chamar isso de encontro...Mas que merda, de novo essa coisa melosa como se eu estivesse apaixonado.

-Será que não está mesmo?- a Morte aparece sentada ao meu lado na cama.
-O que? Você de novo?- Falei rudemente.
-Sim. Não me quer mais por aqui?- Ela parecia estar sentida com a forma que eu falei.
-Eu não disse isso.- Falei em um tom rígido sem dirigir meu olhar para ela.
-De certa forma isso é bom. Você sabe disso.- Senti suas unhas percorrerem minha coluna, o que me fez arrepiar.
-Do que você está falando?- Tento me sentar com a coluna ereta ainda sem olhar pra ela.
-Um dia eu não estarei mais aqui, você vai superar tudo isso e esquecerá que um dia eu existi.- Sua voz ecoa pelos meus ouvidos.
-Não quero que você vá embora...morte?!- Quando pensei em tocar suas mãos, ela tinha sumido.

Eu odeio tomar banho. Quando eu era criança, no riacho perto de minha casa, tinha uma pedra com uma abertura que me cabia perfeitamente. Eu sempre me escondia alí dos garotos da vizinhança que costumavam me dar uma surra, mas além disso, a água era mais quente e me fazia relaxar.
Hoje, eu não consigo tomar banho sem lembrar também do dia que tentaram me afogar na cachoeira, pois minhas memórias me assolam, me destroem e me matam a cada dia, de pouco em pouco.

-PELLE, SAI DA PORRA DESSE BANHEIRO. NÃO SÓ TEM VOCÊ NESSA CASA, FILHO DA PUTA!!!- Ouvi alguém chutar a porta, meu corpo estava paralisado naquela banheira de água turva.
-Oh não, Sigrid!- Me lembrei do encontro e logo pulei da banheira, abrindo a porta e correndo para o meu quarto.
-Eca! Use a porra de uma toalha, ninguém quer ver isso.- Acredito que a voz seja do Necrobutcher, não dei muita atenção.

Quando entrei no quarto, meu corpo sentiu o vento gelado e comecei a tremer. Eu precisava vestir aquela roupa o mais rápido possível.

-Estou saindo.- Peguei meu bolo de chaves, saí com a cabeça baixa enquanto os caras jogavam cartas. Eles não pareciam se importar.

Pelo que o sol mostra, são cinco da tarde. O céu não tem uma nuvem sequer, mas a lua cheia estava começando a aparecer e me seguir.

Assim que chego perto da universidade, vejo olhares de reprovação dos estudantes esnobes e ricos. Desço da minha moto e penso em ascender um cigarro, mas sinto mãos pequenas e macias tocarem minhas costas.

-Oi!- Me virei e havia aquele sorriso inocente envolto em lábios finos cobertos por um batom rosé.
-Olá!- Sorri de volta, ela parecia estar corada.- Me dê sua mochila, suba na moto e use esse capacete.
-Pensei que você diria algo sobre mim.-Sua voz parecia um pouco esmaecida.
-Eu vou fazer isso, espere o momento certo.-Toquei em seus cabelos lisos, brilhantes e macios. Ela sorriu gentilmente.
-Eu...preciso de ajuda para subir na moto.- Ela me olha envergonhada.
-Eu deveria ter trago um banquinho, você é tão pequena e eu deveria ter pensado nisso.- Segurei sua mão gentilmente enquanto ela se senta na garupa.
-Não se gabe por ser mais alto. Você pode ser grande, mas não é dois!- Ela parecia brava gesticulando com seu dedo indicador.
-Você mal consegue alcançar metade do meu braço. Não tenho medo disso.- Sorri debochando enquanto olho para ela pelo retrovisor.-Enfim, temos que ir.
-É bom mesmo, antes que eu te dê um soco.-Ela se segura na minha barriga e aperta, mas não sinto tanta pressão.

A estrada começa a ficar mais escura a medida que entramos na floresta. Não passei pelo caminho da minha casa, não quero que ela saiba ainda que eu moro lá porque a casa está destruída por fora.

-Estamos chegando?-Ela parecia estar com frio, suas mãos tremiam.
-Sim.- Respondi.

As corujas cantavam sob os galhos das árvores, o vento frio me dizia que era uma noite congelante, mas perfeita para a música que escrevi. Então, quando chegamos ao topo da montanha, desliguei a moto.

-Chegamos.- A ajudei a sair da moto.
-Eu estou com frio, esqueci meu casaco.- Ela olha para todos os lados no escuro da noite, a única luz vinha da lua e das estrelas que eram mais nítidas alí.
-Aqui está meu casaco.- Coloquei em volta dela que parecia agradecida apenas com seus olhos brilhantes e sorriso encantador.- O que você queria me mostrar trazendo-me aqui?
-Olhe para cima.-Apontei para a lua.
-Ei, sua mãe nunca te disse que apontar para as estrelas te dá verrugas nos dedos?- Ela bateu levemente em minha mão e eu sorri.
-Não, minha mãe nunca me disse isso. Na verdade, eu fugia de casa durante a noite com meus irmãos para vermos a lua deitados sob as pedras em volta do riacho.- Ela me olhava em silêncio, mas eu estava envergonhado demais para olhar para ela.- Eu queria te mostrar a música que eu escrevi, ela se chama Lua congelante. Eu escrevi ela durante uma noite que não conseguia dormir e vim aqui passar a noite.
-Posso ler?- Ela parecia muito interessada.
-Claro!- Entreguei a folha um pouco amassada para ela, estou aflito, mas tento não demonstrar minhas mãos trêmulas dentro de meus bolsos.

Ela lia atentamente cada verso, parecia assustada e alegre ao mesmo tempo. Seu sorriso crescia enquanto seus olhos seguiam as palavras escritas alí.
Meu coração saltitava a cada olhar alternado dela entre mim e a folha.

-Você é um artista! Você é um artista incrível e talentoso. Eu estou tão...feliz...e assustada? Não sei como definir, é um sentimento esquisito e bom.- Ela me deixou confuso, as vezes eu me sinto assim pensando nela.- Essa música tem um significado muito importante para você pela forma como você escreveu e os desenhos em volta.
-Eu...obrigado.- Sorri sem saber oque dizer.
-Quer me contar porque escreveu essa música?- Sentamos em volta de uma árvore velha, perto da beira.
-Eu te disse, tentei dormir e não consegui, então vim aqui, mas a verdade é que eu estava em meio a um dia difícil, por um segundo pensei em me jogar daqui, mas é como se algo não tivesse deixado, algo como o vento.- Ela está claramente confusa, seus olhos parecem perdidos tentando entender minha loucura.
-Eu gosto de ver como você fica feliz explicando suas coisas.- Ela colocou sua mão sobre a minha, e logo percebi que havia novamente algo errado comigo. Algo que só acontece quando ela encosta em mim.
-Sabe Sigrid, essa é a primeira vez que eu trago alguém aqui. É a primeira vez que trago alguém...especial pra mim.- Ela sorriu e abaixou a cabeça, então eu toquei em seu queixo enquanto a abraçava pela cintura.
-Você me acha especial?- Ela me pergunta mesmo com a resposta descrita em meus olhos.
-Fazem pelo menos 3 ou 5 dias que eu não...fiz cortes ou pensei na morte como antes. Ouvir que você queria me escutar, me ajudou a me sentir como um humano novamente.- Seus olhos lacrimejavam de felicidade, assim como os meus.
-Eu quero te dar algo.- Nossos rostos estavam mais próximos, meu coração está quase explodindo dentro do peito.
-Eu gostaria de receber, mas...- Ela se soltou dos meus braços.- Me desculpe, eu não posso. Ainda acho que é cedo demais para tentarmos qualquer contato além de um abraço.
-O que?- Eu estava confuso, minhas mãos tremiam novamente, dessa vez era por medo de ter feito algo errado.-Bom, tudo bem. Eu respeito sua vontade.

O clima estava meio tenso, o vento não caminhava mais, os animais estavam em silêncio e nós não conseguíamos nos olhar sem sentir vergonha.

-Acho que é hora de ir pra casa.- Ela disse enquanto caminhava até a moto, sem olhar para trás, sem olhar para mim.
-É, você está certa.

Fomos em silêncio, não como das outras vezes em que era um silêncio que pedia para que palavras saíssem de nossa boca. Era um silêncio perturbador, que pelo menos para mim, me faz engolir todas as palavras a seco cortando minha garganta.

-Pronto, chegamos.-Ela me devolveu o capacete, ainda sem olhar para mim.
-Adeus Per.
-Adeus Sigrid.

Amo-te morteOnde histórias criam vida. Descubra agora