-Eu sei que corres e saltas estes telhados todos os dias, Haler. Em outros tempos, eu os corri também. Sempre fui um soldado mediano mas, se as batalhas fossem em telhados, ninguém me via. - Haler sorriu. - Um dia, tal como muitos soldados, fomos selecionados para uma missão para cima, mais acima do que Altra e Gale, contra uns bárbaros das montanhas. Prometeram-nos tudo: dinheiro, terras, honra para as nossas famílias. Assim fomos, ainda relutantes, mas confiantes que íamos voltar. Uma vez que chegamos, vimos o mais sangrento palco que poderíamos ter visto: o palco da guerra. Corpos e corpos em hectares e hectares. Mal chegaram os bárbaros, corremos. Corri e rezei para que não fosse naquele dia que morresse. Quando estás na guerra, para não morrer tens de matar. Não tinha coragem sozinho de o fazer, mas a tua mãe e a família era uma, e única, motivação. Assim, matei uma considerável quantidade de bárbaros, evitando olhar para os seus corpos mortos no chão, e estava a ir perfeitamente até os arqueiros aparecerem. Uma chuva de setas veio pelo ar e eu não tinha escudo. A minha salvação foi ter corrido para uma árvore, que embora de tronco fino, me salvou a vida, passando todas as ao lado, algumas à queima roupa e uma de raspão.
Haler tinha percebido qual fora o dano da seta de raspão e apreciou toda a história, evitando olhar para o lado do rosto, onde uma cicatriz de guerra se haveria formado entretanto.
-O que fez aos arqueiros, meu pai?
-Recuamos e deixamos o trabalho para o outro esquadrão, agradecendo a todos os deuses pela sorte que me tinham dado. Guerra não passa de uma luta entre pessoas poderosas tão geniais que têm de ser resolvidos por milhares de pessoas em vez de elas mesmas...
Haler pensou naquilo que o pai disse enquanto olhava o sol a pôr-se. Os dois ficaram ali em silêncio por uns momentos.
-Meu pai?
-Diz.
-Qual é a sensação de matar um homem?
O pai olhou relutante para baixo. Haler olhava seriamente em frente. Sentado ali com os braços a seguear suavemente os joelhos, com uma expressão séria e fria, tal como as suas palavras, respondeu.
-A primeira vez é sempre a pior. Tu olhas para o chão, para aquele corpo parado e sem vida... A vida que tu próprio tiraste com a tua espada... Numa guerra, tens de ser frio e disciplinado. Foi aquilo que eu fui... e a cada vida a mais que eu tirei, mais insignificante se tornou para mim. Mas não fiques com a ideia errada, meu filho! Apenas consegue matar quem é frio... disciplinado... forte...
Calou-se um momento a olhar para o telhado como se tivesse a ver de novo os episódios ali.
-Não te digo para não matares, meu filho! Sempre que um homem se meter entre ti e aquilo pelo que lutas, combate-o inteligentemente!
Haler continuou em silêncio até que a mãe chamou os dois para irem comer.