O guerreiro

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Retumba a festa na taba dos Araguaias.

As fogueiras circulam a vasta ocara e derramam no seio da noite escura as chamas da alegria.

Toda a tarde o trocano reboou chamando os guerreiros das outras tabas à grande taba do chefe.

Era a festa guerreira de Jaguarê, filho de Camacã, o maior chefe dos Araguaias.

No fundo da ocara, preside o conselho dos anciões, que decide da paz ou da guerra e governa a valente nação.

Os anciões, sentados no longo jirau, contemplam taciturnos a geração de guerreiros que eles ensinaram a combater, e têm saudades da passada glória.

Suspenso em frente deles está o grande arco da nação Araguaia, ornado nas pontas das penas vermelhas da arara.

É a insígnia do chefe dos guerreiros, a qual Camacã, pai de Jaguarê, conquistou na mocidade e ainda conserva, pois ninguém ousa disputá-la.

Ei-lo, o velho chefe, embaixo do arco, que sua mão tantas vezes brandiu na guerra. Em pé, arrimado ao invencível tacape, ele dirige a festa. De um e outro lado da vasta ocara, está a multidão dos guerreiros, colocados por sua ordem primeiro os chefes das tabas; depois os varões; por último os moços guerreiros.

Vêm depois os jovens caçadores que já deixaram a oca materna e estão impacientes de ganhar por suas proezas a honra de serem admitidos entre os guerreiros.

Mas para isso têm de passar pelas provas, e sua juventude não lhes consente ainda a robustez, que tamanho esforço demanda.

Todos invejam a glória de Jaguarê, que ontem era o primeiro entre eles, e hoje ali está disputando a fama aos mais valentes guerreiros.

Por detrás da estacada apinham-se as mulheres, que segundo o rito pátrio não podem ser admitidas nas festas guerreiras.

De longe acompanham silenciosas, com os olhos, as velhas aos filhos, as esposas aos seus guerreiros, e as virgens aos noivos.

Exultam quando ouvem celebrar as façanhas dos seus; mas não ousam murmurar uma palavra.

Entre elas está Jandira, a doce virgem, cujos negros olhos não se cansam de admirar Jaguarê, seu futuro senhor.

Já lhe tarda o momento de ver aclamar guerreiro ao jovem caçador, para ter a felicidade de servi-lo como escrava na paz, e acompanhá-lo como esposa ao combate.

No centro da ocara ergueu-se Jaguarê.

Defronte dele, Pojucã, no corpo que a ferida não abateu, mostra a grande alma, serena em face dos inimigos.

Camacã troou a inúbia para ordenar silêncio e o filho começou:

— Guerreiros Araguaias, ouvi a minha história de guerra.

"Depois que Jaguarê sofreu as provas do valor, partiu para conquistar um nome famoso.

"Deixando a taba, viu o falcão negro que despedia o voo para as águas sem fim, e Jaguarê disse:

"O falcão negro é o valente guerreiro dos ares; ele será a fama do guerreiro Araguaia que atravessará as nuvens e subirá ao céu.

"Então Jaguarê marcou o voo do falcão negro e seguiu por ele.

"O sol despediu-se e voltou; uma, duas, três vezes. No último sol Jaguarê encontrou um guerreiro da nação Tocantim, senhora do grande rio.

"Guerreiros Araguaias, quereis saber qual foi o campeão que Tupã enviou a Jaguarê para dar-lhe o nome de guerra?

"Ele aí está diante de vós.

"É o grande Pojucã, o feroz matador de gente, chefe da tribo mais valente da poderosa nação dos Tocantins, senhores do grande rio.

Ubirajara (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora