O combate nupcial

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Chegou o dia, em que os noivos de Araci deviam disputar a posse da formosa virgem.

Era a hora em que o sol transpondo a crista da montanha, estende pelo vale sua araçoia d'ouro.

A grande nação Tocantim cerca a vasta campina. No centro estão os anciões, que formam o grande carbeto.

Em frente aparece Araci, a estrela do dia, que há de ser o prêmio da constância e fortaleza do mais destro guerreiro.

Jacamim acompanha a filha; nesse momento remoça com a lembrança do dia em que Itaquê a conquistou, lutando com os mais feros mancebos Tocantins.

De um e outro lado seguem pela ordem da idade os moacaras. Cada um cerca-se da esposa, das servas e das filhas, que vieram para assistir ao combate.

É a única das festas guerreiras, em que o rito de Tupã consente a presença das mulheres, porque trata-se de sua glória.

Contemplando o esforço heroico dos mais nobres guerreiros para conquistar a formosura de uma virgem, as outras virgens aprendem a prezar a castidade, e as esposas se ufanam de guardar a fé no primeiro amor.

Itaquê, o grande chefe dos Tocantins, preside ao combate, orgulhoso pela valente nação que dirige, como pela formosa virgem de que é pai.

Quando seus olhos admiram a multidão de guerreiros, servos do amor de Araci, que se preparam a disputar a esposa, o grande chefe ergue a fronte soberba como o velho ipê da floresta coroado de flores.

Os noivos se distinguem dos outros guerreiros pelo bracelete de contas verdes, que o guerreiro cinge ao pulso da esposa, quando rompe a liga da virgindade.

Lá caminha Pirajá, o grande pescador, senhor dos peixes do rio, a quem obedece o manati e o golfinho.

Junto dele ergue-se Uiraçu, que tomou este nome do valente guerreiro dos ares, pelo ímpeto do assalto.

Vem depois Arariboia, a grande serpente das lagoas, Cauatá, o corredor das florestas, Cori, o altivo pinheiro, e tantos outros, ainda mancebos, e já guerreiros de fama.

Entre todos, porém, assoma Jurandir. Sua fronte passa por cima da cabeça dos outros guerreiros, como o sol quando se ergue entre as cristas da serrania.

Os músicos fizeram retroar os borés, anunciando o começo da festa; e os servos do amor se estenderam em linha pelo meio da campina.

Então os nhengaçaras levantaram o canto nupcial:

«A esposa é a alegria e a força do guerreiro. Ela acende em suas veias um fogo mais generoso que o do cauim, e prepara para seu corpo o repouso da cabana.

«Por isso, o primeiro desejo do mancebo, quando ganha nome de guerra, é conquistar uma esposa.

«Não basta ser valente guerreiro para merecer a virgem formosa, filha de um grande chefe; é preciso a paciência para sofrer e a perseverança no trabalho.

«Araci, a estrela do dia, filha de Itaquê, será a alegria e a glória do mais forte e do mais valente.

«Os filhos que ela gerar em seu seio, onde corre o sangue do grande chefe, serão os maiores guerreiros das nações.»

Itaquê deu o sinal; o combate começou.

Pirajá foi o primeiro que saiu a campo, e clamou esgrimindo o tacape.

— Araci, estrela do dia, tu serás esposa do guerreiro Pirajá, que te vai conquistar pela força de seu braço.

Avançou Uiraçu, e disse:

— A virgem formosa ama ao guerreiro Uiraçu e há de pertencer-lhe.

A noiva cantou:

— Araci ama o mais forte e mais valente. Ela pertencerá ao vencedor, que vencer a bravura dos outros guerreiros, como venceu a vontade da esposa.

Ubirajara (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora