Servo do amor

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Jurandir, conduzido pela virgem, caminhou ao encontro de Itaquê e disse:

— Desde esse momento, Jurandir não foi mais estrangeiro na taba dos Tocantins. Pertencia à oca de Itaquê, e devia, como servo do amor, trabalhar para o pai de sua noiva.

Os guerreiros, cativos da beleza de Araci, conheceram que tinham de combater um adversário formidável; mas seu amor cresceu com o receio de perder a filha de Itaquê. Jurandir tomou suas armas e desci ao rio. Era a hora em que o jacaré boia em cima das águas como o tronco morto; e a jaçanã se balança no seio do nenúfar.

O manati erguia a tromba para pastar a relva na margem do rio. Ouvindo o rumor das folhas, mergulhou na corrente, mas já levava o arpéu do pescador, cravado no lombo.

Jurandir não esperou que o peixe ferido desenrolasse toda a linha. Puxou-o para terra; e levou-o ainda vivo à cabana de Itaquê, onde três guerreiros custaram a deitá-lo no jirau.

As mulheres cortaram as postas de carne e os guerreiros cavaram a terra para fazer as grelhas do biaribi.

Jurandir partiu de novo e entrou na floresta. Ao longe reboavam os gritos dos caçadores que perseguiam a fera.

Pelo assobio o guerreiro conheceu que era um tapir. O animal zombara dos caçadores e vinha rompendo a mata como a torrente do Xingu.

As árvores que seu peito encontrava caíam lascadas.

Jurandir estendeu o braço. O velho tapir, agarrado pelo pé, ficou suspenso na carreira, como o passarinho preso no laço. Nunca, até aquele momento, encontrara força maior que a sua.

Uma vez descera à lagoa para beber. A sucuri, que espreitava a caça, mordeu-o na tromba. Ele fugia, esticando a serpente; e a serpente encolhendo-se, o arrastava até à beira d'água.

Assim tornou uma, duas, três vezes. Mas o tigre urrou de fome. O velho tapir disparou pela floresta; e a sucuri com a cauda presa à raiz da árvore arrebentou pelo meio.

O velho tapir rompeu a serpente como se rompe uma corda de piaçaba; mas não pôde abalar o braço de Jurandir, mais firme do que o tronco do guaribu.

O estrangeiro tornou à cabana com a caça. Nenhum dos guerreiros da taba, nem mesmo o velho Itaquê, pôde aguentar com as duas mãos a fera bravia.

Então Jurandir obrigou o animal a agachar-se aos pés de Araci e disse:

— O braço de Jurandir fará cair assim, a teus pés, o guerreiro que ouse disputar ao seu amor a tua formosura, estrela do dia.

Nunca a abundância reinara na cabana sempre farta do chefe dos Tocantins, como depois que a ela chegara o estrangeiro.

Jurandir era o maior caçador das florestas e o primeiro pescador dos rios. Seu olhar seguro penetrava na espessura das brenhas, como na profundeza das águas.

Nada escapava à destreza de sua mão. Onde ela não chegava, iam as unhas de suas flechas certeiras, que rasgavam o seio da vítima, como as garras do jaguar.

O estrangeiro soubera de Araci, qual era a caça que Itaquê preferia e qual o peixe que ele achava mais saboroso. Desde então nunca o velho chefe sentiu a falta do manjar predileto.

Se não era a lua própria do peixe desejado, Jurandir sabia onde o podia encontrar. Não tornava à cabana sem a provisão necessária para a refeição do dia.

Depois da caça e da pesca, Jurandir trabalhava nas roças de Itaquê. Fazia no tabuleiro os matumbos, para que Jacamim enterrasse as estacas da maniva e semeasse o feijão, o milho e o fumo.

Entre os filhos das florestas, a plantação devia ser feita pela mão da mulher, que era mãe de muitos filhos; porque ela transmitia à terra sua fecundidade.

Ubirajara (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora