A hospitalidade

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Na entrada do vale ergue-se a grande taba dos Tocantins. É a hora em que as sombras abraçam os troncos das árvores e o sol descansa em meio da carreira.

A floresta emudece e todos os viventes se abrigam da calma que abrasa.

Ubirajara deixa o escuro da mata e caminha para a grande taba dos Tocantins.

Quando chegou à distância do tiro de uma flecha despedida pelo mais robusto guerreiro, tocou a inúbia.

O guerreiro de vigia respondeu; e o chefe Araguaia, quebrando a seta, alçou a mão direita para mostrar a senha da paz.

Então avançou para a taba; na entrada da caiçara que cercava o campo dos Tocantins, atirou ao chão a seta partida.

Os guerreiros que tinham acudido ao som da inúbia, deixaram passar o estrangeiro sem inquirir donde vinha, nem o que trouxera.

Era este o costume herdado de seus maiores; que o hóspede mandava na taba aonde Tupã o conduzia.

Ubirajara passou entre os guerreiros e dirigiu-se à cabana mais alta que ficava no centro da ocara.

A figura do tucano, feita de barro pintado, e colocada em cima da porta, dizia que era ali a cabana do grande chefe. Mas Ubirajara já o sabia; pois antes de penetrar na taba, subira à grimpa do mais alto cedro da floresta para conhecer o sítio onde habitava Araci, a estrela do dia.

A cabana estava deserta naquele instante, mas ouvia-se a fala das mulheres que trabalhavam no terreiro.

Ubirajara transpôs o limiar e, levantando a voz, disse:

— O estrangeiro chegou.

Acudiram as mulheres e conduziram Ubirajara à presença do grande chefe dos Tocantins.

Itaquê passava as horas da ardente calma à sombra da frondosa gameleira, que podia abrigar cem guerreiros embaixo de sua rama.

Repousando dos combates, o formidável guerreiro não desdenhava as artes da paz em que era tão consumado como nas batalhas.

Assim honrava as fadigas da taba, dando o exemplo do trabalho à família de que era pai, e à nação de que era chefe.

Nesse momento as mulheres colocadas em duas filas, com as mãos erguidas, urdiam os fios de algodão, passados pelos dedos abertos em forma de pente. Itaquê manejava a lançadeira, tão destro como na peleja vibrava o tacape. Sua mão ligeira tramava a teia de uma rede, que entretecia das penes douradas do galo-da-serra.

Quando chegou Ubirajara, o grande chefe dos Tocantins, depois de ter rematado a urdidura, entregou a lançadeira ao guerreiro Pirajá que estava a seu lado, e veio ao encontro do hóspede.

— O estrangeiro veio à cabana de Itaquê, grande chefe da nação Tocantim; disse Ubirajara.

— Bem-vindo é o estrangeiro à cabana de Itaquê, grande chefe da nação Tocantim. Então o tuxava voltou-se para Jacamim, a mãe de seus filhos:

— Jacamim, prepara o cachimbo do grande chefe, pare que ele e o estrangeiro troquem a fumaça da hospitalidade.

Os mensageiros já corriam pela taba, avisando os guerreiros Moacaras da vinda do hóspede à cabana de Itaquê.

Os moacaras, revestidos de seus ornatos de festa, se encaminharam com o passo grave à oca principal, a fim de honrar o hóspede do grande chefe da nação Tocantim.

Ali chegados, cada um dirigiu ao estrangeiro a pergunta da hospitalidade e deu-lhe a boa vinda.

Depois que Itaquê ofereceu a Ubirajara o cachimbo da paz, e com ele trocou a fumaça da hospitalidade, os cantores entoaram a saudação da chegada:

Ubirajara (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora