A noiva

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Ao raiar da luz no céu, Jandira abriu os lindos olhos negros.

Seu canto foi o primeiro que saudou o nascer do dia e acordou em seu ninho a viuvinha.

A doce filha de Majé saltou da rede que embalara os sonhos castos da virgem; e despediu-se dela como a jaçanã que deixa a moita para habitar o ninho do amor.

A virgem Araguaia acreditava ter dormido a última noite na cabana paterna, que essa manhã ia trocar pela cabana do esposo.

O jovem caçador que a amava, Jaguarê, fora aclamado guerreiro, e entre todos os guerreiros, o chefe da nação.

Como guerreiro ele pode tomar uma esposa; e como chefe pertence-lhe a virgem de sua escolha, entre as mais formosas da taba.

Ainda que a virgem tenha um noivo, ou que o pai a destine a outro, se o chefe a deseja, a vontade de Tupã é que lhe pertença.

Tupã assim ordena para que os grandes chefes possam gerar de seu sangue os mais belos e valentes guerreiros.

Jaguarê antes de ser aclamado chefe já a tinha escolhido, e Jandira não aceitaria outro noivo senão o jovem caçador a quem amava.

Ela o espera. Logo que o sol alumie a terra, Ubirajara, o grande chefe, há de vir buscá-la.

Então a virgem se despedirá de Majé; e irá armar na cabana de seu guerreiro e senhor a rede da esposa.

Ligeira e contente, corre a banhar-se no rio antes que chegue Ubirajara, para quem purifica seu corpo e unge-se com o óleo fragrante do sassafrás.

Ela quer que o destemido guerreiro ache seu amor saboroso como o vinho que espuma na taça e ferve nas veias.

Tornando à cabana, perfumou de beijoim a larga rede que tecera dos fios do algodão entrelaçados com as penas do guará.

Essa rede tinha duas vezes o tamanho de sua rede de virgem porque era a rede do casamento em que devia receber o esposo.

Depois arrumou no uru a louça que havia fabricado para o serviço do guerreiro, e que devia transportar à sua nova cabana.

Quando terminou todos os preparativos, encostou-se à porta da cabana; seus olhos impacientes chamavam Ubirajara.

Mas o guerreiro não vinha, e o sol já tinha subido além da crista da serra.

A luz do dia derramava a alegria pelos campos; e a alegria que lhe afogara os sonhos da noite fugia agora da alma de Jandira.

Então a filha de Majé partiu em busca do noivo que a esquecera.

No mais escuro da mata, vaga o chefe dos Araguaias.

Seus olhos fogem à luz do dia e buscam a sombra, onde encontram a imagem que traz na lembrança. A noite, quando o guerreiro dormia em sua rede solitária, Araci, a linda virgem, lhe apareceu em sonho e lhe falou:

— Jaguarê, jovem caçador, tu dormes descansado enquanto os guerreiros Tocantins se preparam para roubar a virgem de teus amores. Ergue-te e parte, se não queres chegar tarde.

Ele erguera-se para segui-la; mas a virgem formosa desferiu a corrida veloz através da campina e desapareceu na floresta.

Neste ponto do sonho o guerreiro acordara.

Uma estrela brilhante listrava o céu, como uma lágrima de fogo, e Ubirajara pensou que era o rasto de Araci, a filha da luz.

A juriti arrulhou docemente na mata e Ubirajara lembrou-se da voz maviosa da virgem do sol.

O guerreiro tornou à rede, esperando achar ali outra vez o sonho que visitara sua alma; porém o sono fugira de seus olhos.

Quando raiou a primeira alvorada, Ubirajara saiu da cabana e buscou no mais espesso da mata a sombra propícia à saudade.

Ubirajara (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora