"Primeiro as cores, depois os humanos" começava o livro que era o meu favorito da infância. E assim, olho para o céu laranja de um pôr do sol multifacetado, imaginando o que falarei na sessão de hoje. Sobre cores ou sobre humanos? Acho que já falei o suficiente sobre cores, talvez seja finalmente a hora de falar sobre pessoas.
De qualquer forma, não é como se eu tivesse o sentimento de que minhas falas estivessem de fato sendo ouvidas, o que me parece é que eu estou a falar com as paredes. A terapeuta nunca me responde, nunca emite uma opinião. Por mais que eu imagine que isso seja o ideal, eu anseio por um terceiro ponto de vista. O que eu posso fazer? A consulta está marcada, e eu a encaro como um compromisso, ou seja, impossível de desmarcar.
Talvez a terapeuta seja, por si mesma, o exemplo de onde começar. Ela se parece com o colega de laboratório de quem eu acabei de me despedir. Ele estava a me contar sobre sua vida pessoal, sobre seus problemas e suas formas de contorná-los. Eu havia prestado atenção com empatia, e até dado alguns conselhos sobre o que eu faria em seu lugar. Isso foi bom para eu me sentir ao menos útil, e espero que de fato vá ser útil para ele também. Mas será que ele vai pô-los em prática?
E a terapeuta? Sei que, com certeza, ela tem os problemas dela também. Mas nem à pergunta de praxe "tudo bem?" ela costuma responder. Mas e se ela me respondesse? E me contasse com detalhes como o colega de laboratório? Será que ela acabaria naquele lugar da minha vida de pessoas que foram oportunamente conhecidas? Mas que assim que a oportunidade se desfez, o elo também foi embora?
Estanhos por natureza, talvez eu possa classificar.
E na minha mente inconstante, sei que isso vai ser algo irrelevante para quando eu estiver bem, porém dramático para os dias mais tempestuosos. Eu estarei levando flores, para o cemitério do meu coração. Para todos os meus amantes, no presente e no escuro, toda a vez em que eu tiver que pensar em pessoas que poderiam ser muito próximas a mim, mas não são.
Será culpa delas? De mim...? ou do acaso?
Independentemente da resposta, sei que todo aniversário de uma boa lembrança eu farei uma homenagem e direi que sinto muito, pois eles nunca tiveram uma chance, como se eles pudessem, quando ninguém sabe o que é ser como nós.
E com "nós", eu quero dizer eu e eu. Sempre me senti tão completo, ainda mais depois de fazer testes online onde a resposta comicamente deu que minha alma gêmea era ninguém menos que eu.
Já na metade do caminho para casa, penso que eu nunca vi o céu desta cor antes. É como se eu estivesse notando tudo um pouco a mais. Será que estou ciclando? Ou será que depois que esse ciclo se findou, agora que toda a poeira assentou, eu refuto todas as minhas refutações? Definitivamente, "ninguém sabe o que é ser como nós", eu rio.
Mas eu não posso pensar nas cores.
"Estranhos por natureza" era nisso que eu pensava. "Estranhos por natureza" um bom título, aliás. Ainda vou preparar o jantar, e uma xícara de café quando chegar em casa. Ou deixo o café para depois da consulta, já que não vou prestar a devida atenção no sabor se eu estiver muito introspectivo na hora? E toda essa introspecção, aliás, eu vou chegar lá? Porque agora eu estou, e a melancolia também já se junta a amálgama de sentimentos. "Oh, espero que um dia eu aprenda, para nutrir o que eu fiz."
Abro a porta de casa. Janto, porém acabo fazendo o café.
Geralmente não gosto das sessões, mas essa vai ser boa.
Tudo bem, então, tudo pronto.
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FanfictionDepois de cinco anos, uma nova história envolvendo amizades. Dessa vez, com um novo narrador e pessoas diferentes. Cada pessoa que entra em nossa vida deixa suas marcas, positivas, negativas, esperançosas, esquecidas... E se conseguíssemos aprender...