Tata Sales
Pela física, a ascensão de uma chama azul dedura uma implacável combustão, mas quando este cede calor e energia transforma-se em um misto de tons de laranja e rubro. Nosso gás estava acabando.
Não somente a física disponibiliza essa informação, como também o insuportável cheiro de gás vazando, rodo o pino com intenção de desligar a boca do fogão. Troco uma refeição saudável por batatas chips, pensando e repensando no meu dia completamente entediante e monótono, como todos os dias nessa desprezível cidadezinha pacata.
Mamãe chegaria no auge da madrugada, pelo menos duas vezes no mês fazia visitas em Areia, para trabalhar como geoturista, me pergunto se sentia um alívio quando estava longe de casa, distante de mim.
Longe dos pesadelos. Das fotos. Dos ataques de pânico. Do meu rosto. Enxugo uma gota de suor que escorre pela lateral da minha face, a temperatura parece ter subido rapidamente, batuco a ponta do lápis com agilidade sobre a folha de caderno de linhas finas e cinzentas, até que o grafite quebra - sendo arremessado ao ar.
Suspiro como uma verdadeira tola que sou, de repente uma irritabilidade me abraça - sem motivos aparentes -, quero e desejo arduamente quebrar tudo, ir embora, queimar. Sorrio com minhas loucas ideias incendiárias, talvez daqui a alguns meses Raia esteja me direcionando a ala psiquiátrica do hospital local.
Não surpreenderia muitas pessoas, nem a mim mesma para ser sincera. Ao invés de insistir em toda essa baboseira de termodinâmica, porque um lado meu sabe que eu jamais passaria no vestibular, sou tão inteligente quanto uma porta, decido escutar o mestre da música nacional: Caetano Veloso. Não que eu sofra por alguém, meu coração é fiel apenas a mim, jamais irei me apaixonar - há prioridades maiores.
Às vezes no silêncio da noite eu fico imaginando eu e uma aprovação, para finalmente ir embora desse lugar. Ir em busca de algo que nem mesmo sei o que é.
Me espreguiço, escutando meus ossos rangerem - um pouco de exercícios físicos resolveria, mas tenho preguiça demais para me submeter a tal atividade. Encosto os cotovelos na janela de madeira, sentindo o vento soprar minha face, arrastando meus cabelos escuros para trás, admiro o globo amarelado que encontra-se no auge do céu, caso eu semicerre um pouco mais os olhos, conseguirei vislumbrar detalhes particularmente únicos da lua.
Não sei se foi o destino, o instinto ou intuição que fez meu cérebro parar de focar-se na paisagem natural ao tempo de ouvir um ruído no corredor. Será que mamãe chegou? Estranho. Procuro por mensagens, nenhuma. Ela teria avisado, todavia não faz sentido... São duas horas de viagem de Areia para Serra dos Cataventos e não passa das nove da noite, algo - bem no fundo, onde as certezas da vida são guardadas - me convence que não é Raia que está perto da porta.
Puxo o ar lentamente, com medo até dos meus batimentos cardíacos evidenciarem minha localização, mas afinal, sou eu que estou escutando música em um volume alto suficiente para dedurar o cômodo que me encontro. Agarro o telefone na mão, percebendo que tremo somente quando erro duas vezes a ordem dos números da polícia. O que maldição estou fazendo? Em um filme de terror as mocinhas, não que eu tenha possibilidade de ser protagonista em algo, não devem ficar paradas apenas ligando para as autoridades. Devem escapar, sair do local que se encontram.
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Refeitas
FantasiNem sempre tudo foi questão de vida ou morte. Certo ou errado. Felicidade ou tristeza. Lealdade ou trairagem. Condenação ou misericórdia. Houve uma época em que o sol brilhava forte, as raças viviam em harmonia e tudo que era quebrado, também era re...