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A luz do sol é tão irritante que, involuntariamente, o garoto está rolando pelos lençóis e grunhindo feito um homem das cavernas. Então se lembra que não está sozinho e abre os olhos de uma vez, olhando ao redor.

Felix ainda está dormindo, tão encolhido no cantinho do sofá que parece só uma bolinha de cabelos descoloridos e um cobertor felpudo. Suas sardas ficam mais evidentes com a luz do sol atravessando uma das frestas da persiana e Chan se aproxima dele, o suficiente para que não pareça esquisito, fotografando o rosto sardento banhado em luz solar.

Da Vinci pintou a Mona Lisa pela falta de Lee Felix adormecido no século XVI.

Ele percebe as pálpebras tremendo de leve, finalmente se incomodando com a claridade excessiva, e recua rapidamente para parecer que também tinha acabado de acordar e não que passou os últimos dez minutos em silêncio observando o rosto do garoto.

Não funciona muito bem, já que no segundo em que boceja e coça os olhos, o Lee dispara:

- Você estava me vendo dormir, não estava?

Ele abre a boca, pronto pra inventar uma desculpa particularmente ruim que faria o outro rir. Mas Felix está olhando pra si com aqueles olhos gigantescos, ainda meio zonzos por ter acabado de acordar e uma cor quase caramelo por estar contra a luz do sol, não parece justo simplesmente fingir que não está sentindo os grãos de areia fazendo cócegas na sua pele a cada vez que sente toda a atenção do loirinho em seu rosto. Isso o deixa sem palavras e apenas dá de ombros.

- Pode ser que sim.

- Ah, você é péssimo - reclama, cobrindo o rosto com o cobertor, mesmo que Chan já tivesse visto suas bochechas coradas um milhão de vezes antes disso - Tá com fome?

- Sim!

E o garoto escorrega pelo sofá, sentindo um friozinho nas pernas e lembrando que só usa sua cueca e uma camiseta gigantesca do U2 que Chan emprestou na noite passada. Pensando nisso agora, parece muito engraçado alguém realmente ter camisetas do U2, assim como faz com que ele se sinta extremamente autoconsciente.

Mas Chan não parece perceber – ele, por sua vez, está com uma calça do moletom e uma camiseta larga demais com buracos o suficiente para entregar a idade – recolhendo a bagunça que fizeram na noite anterior quando estouraram pipoca e assistiram filmes até amanhecer.

Eles gostavam das mesmas coisas e sua maratona foi de comédias românticas até terror, alguns desenhos animados e os melhores filmes de heróis da Marvel – nesse ponto eles infelizmente discutiram, mas tudo se resolveu quando concordaram que Deadpool valia o top 1 de anti-herói e isso já estava de bom tamanho.

Toda a situação é tão estranhamente familiar e confortável que chega a ser desesperadora. Ele não se lembrava a última vez que acordou assim do lado de alguém que gostava – apesar de, do lado, ser uma expressão bem generosa para o fato dele ter dormido atravessado pelo sofá - e não saiu silenciosamente recolhendo suas peças de roupa para escapar pela porta dos fundos antes do café da manhã. Na verdade, ele nunca nem tomava café da manhã.

Agora, às três da tarde de uma segunda-feira, sua barriga ronca quando sente o cheiro de ovos mexidos e o pão torrado com manteiga.

De alguma forma, ver Felix tão empolgado se remexendo ao som de Sunday Bloody Sunday (mesmo Sunday Bloody Sunday não estar nem de perto na sua lista de músicas para se remexer) enquanto organiza a cozinha e prepara o café da manhã faz com que ele sinta uma vontade gigantesca de se mover também e dar um jeito na bagunça da casa.

- Sabia que eles remarcaram a data das provas de admissão da faculdade? - o Lee comenta, rolando pelo feed no celular enquanto espera a cafeteira apitar – É em um mês e meio. Nem achei que ainda teria esse ano.

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