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Já fazia meia hora que Chan se sentara na parte de trás do balcão, entre o chão manchado pela goteira de café caindo da máquina de expresso e a bagunça de livros espalhados de um Felix parcialmente acanhado hoje.

Mas o Bang entendia, afinal ele já estava planejando isso há algum tempo.

- Ah, isso é mais entediante do que eu achava – o mais velho reclama, rolando pelo seu feed do Twitter pela terceira vez e vendo que ainda faltava outra fatídica meia hora até o turno do garoto acabar – Como você aguenta?

- Um pouquinho de dinheiro e bastante café.

E mais um pouquinho do silêncio se arrasta entre os dois.

Chan tinha algumas outras perguntas que queria fazer – infelizmente, duvidava que fosse conseguir uma resposta decente pra qualquer uma delas – mas não consegue deixar sua barriga quieta, ele está nervoso. Em partes porque, desde que admitira pra si mesmo seus sentimentos bagunçados, essa era uma das primeiras vezes que ficava tanto tempo em silêncio com alguém que gostava de verdade.

Parando pra pensar, ele nem se lembrava quando já tinha feito algo assim.

Felix é um garoto barulhento, precisa admitir. Seus barulhos não são conscientes e muito menos comuns. Ele faz barulho quando se mexe na cadeira, gosta de batucar com a lapiseira pelo caderno conforme escreve anotações, recita em voz alta o que acabou de ouvir na sua videoaula e, principalmente, ele derruba praticamente tudo o que toca.

De minuto em minuto o Bang percebe que o garoto sentado à sua frente está se inclinando pra pegar a borracha ou seu celular ou algumas moedas que escorregaram entre seus dedos. Além de barulhento, Felix também é muito desastrado.

E então, quando uma das únicas clientes da noite vai embora, os olhos pesados estão voltados pra si enquanto ele pergunta:

- Por que você tá esperando aqui?

- Bem, eu esqueci de devolver seu potinho.

- É, mas sua casa fica logo ali na esquina – Chan tenta muito não acabar pensando demais quando o garoto mostra saber onde é sua casa - Não seria mais fácil só ir lá buscar e trazer pra mim?

- É, mas depois de subir eu ia ficar com muita preguiça de descer de novo. Por isso te chamei pra ir buscar comigo depois.

Era uma mentira tão ridiculamente óbvia que, se não fosse pelo capuz do moletom que usava, ele tem certeza que suas orelhas pegando fogo teriam entregado o quão constrangido ele estava por usar de algo tão estúpido pra chamar o outro até sua casa.

Principalmente porque ele tinha certeza que, se falasse o verdadeiro motivo do porquê querer convidar Felix para entrar, o garoto nunca aceitaria.

Isso faz com que se sinta um pouquinho pior. Ele não consegue ignorar essa sensação de estar enganando o mais novo, o forçando a fazer alguma coisa que ele não queira. Mesmo que essa coisa seja tão boba quanto o acompanhar até seu apartamento.

Mesmo com esse crescente desconforto – o que torna cada vez mais difícil manter uma conversa relaxada com o loirinho – ele não muda de ideia, meia hora depois, quando os dois se despedem da novata e começam a subir a rua, no mesmo silêncio entorpecente de mais cedo.

Os cabelos de Felix ficam ainda mais dourados sob a luz amarelada do poste. Ele é alguns centímetros menor que si e, por ter esquecido a jaqueta em casa, caminha levemente encurvado com as mãos dentro dos bolsos da calça jeans.

Se Chan se esticasse só um pouquinho pra direita, conseguiria abraçar seus ombros. Talvez isso o deixasse mais aquecido também. Mas não é como se o garoto conseguisse sequer esbarrar seus ombros sem que sentisse todo o seu corpo eletrificado, como se acabasse de levar o pior choque elétrico de toda a sua vida.

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