CAPÍTULO DOIS

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—Malessa—

Paro no limite das árvores curvadas com folhagens em tons de roxo e rosa, sinal que chegamos na entrada da cidade.

     Respiro fundo. Finalmente podemos descansar da longa viagem. Depois de quase dois meses sobrevivendo por nossa conta, salvando algumas matilhas, conseguindo armamentos e suprimentos para o Complexo de Caçadores e tentando encontrar qualquer outra resistência para se aliar, estamos de volta. Acredito que Argos, líder do Complexo de Caçadores, ficará tanto orgulho quanto furioso, já que não o avisamos sobre essa escapadinha de dois meses.

Algumas semanas atrás, despistamos uns de seus homens — nossos colegas — pelo simples fato de não querermos ser encontrados e levados de volta antes da hora. Uma missão de reconhecimento não autorizada poderia nos trazer alguns problemas, mas supondo que salvamos alguns lobos da transformação agonizante, pegarão um pouco mais leve.

Acredito que os Reais também exigirão respostas do porquê os seus melhores Caçadores saíram sem a permissão deles. Minha cabeça dói só de imaginar a longa reunião que vai acontecer envolvendo todos os líderes do Complexo e a liderança pessoal dos Reais. Me pergunto seriamente se não é mais fácil dar meia volta e passar mais dois meses longe de tanta burocracia .

— Por que paramos? — Verana arriscou perguntar com a voz baixa e rouca, acredito que de tanto gritar.

O cabelo ruivo grudado na testa suada dela me fez afastar os meus próprios fios pretos dos olhos. Não imaginava que a minha recém feita franja desfiada atrapalharia de vez em quando, mas agora não tem mais o que fazer.

     Mesmo os últimos dez minutos de caminhada exigiram toda nossa força restante. Eu entendia a frustração do pequeno grupo cansado atrás de mim. Passaram por coisas demais só por uma noite, e não os culpo por quererem descansar. Até porque eu também estou um caco, desde os cabelos sujos e suados aos pés doloridos e inchados.

Os olhos atentos de Zand varrem cada canto que já deve estar sendo monitorado pelos sentinelas de dentro da capital. Mas observar já é instinto. Faz parte de quem nós somos.

     Somos Caçadores, como as pessoas chamam os guerreiros treinados para a caça, mas não de qualquer animal, só àqueles que pertencem às sombras e que matam por prazer. Ninguém se atreve a enfrentá-los além de nós, então matamos todos eles, principalmente, os Ferais.

Não posso dizer que o trabalho é fácil, mas é um risco que pagamos para tentar consertar essa merda de mundo.

— Chegamos em Nêmesis. — Zand suspirou lentamente, a aversão brilhava nos olhos idênticos aos meus. — Terra dos riquinhos humanos idiotas.

— Melhor riquinhos idiotas do que ser comido durante o sono por coisas piores do que Ferais, não acha? — digo sarcasticamente, e meu irmão bufa com ar de divertimento.

— Ferais são mais divertidos. — ele fala com humor ácido e eu lhe lanço um pequeno sorriso de cúmplice.

Às vezes, realmente era mais fácil lidar com criaturas sombrias do que com humanos arrogantes que gostam de fingir saber de tudo.

— Mas... — Verana interrompe, tão confusa quanto os outros. — Não estou vendo nada.

Olhei para o chão, para a linha invisível que aprendi a conhecer muito bem onde era seu limite. Um campo mágico que nos esconde do resto do mundo. A Barreira foi a ideia mais brilhante que Astéria já teve, e com a ajuda de Asena, outra bruxa habilidosa do Complexo, conseguiram erguê-la.

As duas são umas das poucas bruxas que temos na cidade. A primeira sendo uma das minhas melhores amigas, e a outra, a minha... Bom, já que foi ela que ajudou a nos criar e nos trata como uma mãe desde jovens, aprendemos a chamá-la de tia.

~Depois do AnoitecerOnde histórias criam vida. Descubra agora