— Você não dormiu nada? Nem um cochilinho?
Ele balançou a cabeça em negativa, continuando a arrumar as coisas dentro da mochila.
— Tem certeza de que consegue ir comigo para o outro lado da cidade? Talvez a gente leve um dia ou mais de caminhada até lá...
— Não vamos a pé pra lá.
— Ah, é? E como a gente vai, gênio? — Ela arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços. — Por acaso você tem um carro ou uma moto com combustível ou algo assim?
— Você quase acertou. — Rafael riu vitorioso, rodando a chave nos dedos e logo em seguida ajeitando a mochila nas costas. — É uma surpresa.
— Eu odeio surpresa. — Ela revirou os olhos, entregando a mochila na direção dele quando Rafael pediu. — O que você tá fazendo?
— Dando um upgrade nesse seu kit de sobrevivência.
Ele deu de ombros, colocando mais comida, água e dando um jeito de prender um machadinho na lateral da bolsa roxa repleta de florzinhas amarelas. Rafael sorriu ao prestar atenção naquilo, imaginando que mesmo no fim do mundo, Ana não queria ficar fora de moda, mesmo que isso fosse feito de forma inconsciente por ela.
— Eu não acredito que com tantos filmes que a gente assistiu, você não aprendeu nada.
— Eu odiava aqueles filmes. Você sabe muito bem que eu só assistia porque... — Ela sentiu as bochechas queimarem ao olhar tão fundo nos olhos dele. Ana balançou a cabeça, afastando aqueles pensamentos da mente e colocando a mochila mais pesada do que imaginava nas costas. — Vamos, precisamos ir. Lá é o único lugar seguro para nós.
Rafael abriu a boca para contar sobre a sua situação, mas desistiu quando viu um sorriso esperançoso pairando nos lábios dela, como se Ana esperasse por uma resposta positiva da parte dele sobre ir embora com ela. Pensar nisso o fez se sentir ainda pior, principalmente por saber que ele poderia ser uma ameaça para ela. Ou ainda que os dois logo estariam separados novamente, vivendo em mundos diferentes — um na vida e o outro na morte — para sempre.
Eu não estou preparado para isso, pensou consigo mesmo, controlando a respiração, como se certificasse de que ainda tinha domínio sobre si mesmo.
— Vamos? — Ana chamou, o tirando daquele transe melancólico.
— Vamos. — Ele balançou a cabeça afirmativamente, tomando a liderança e saindo daquele lugar.
🧟♂️
Rafael mantinha a atenção na estrada enquanto Ana ficava com a arma a postos na janela da minivan escolar para o caso de algum imprevisto no caminho. Ela preferiu chamar as criaturas daquela forma porque assim conseguia esquecer por um momento que por pouco não havia virado lanche de zumbi. Pensar em viver aquele pesadelo de novo era demais para ela, principalmente quando você quer viver o mínimo possível.
Eles estavam a poucos metros do estádio de futebol tomado pelas Forças Armadas como ponto de abrigo e segurança para o que restara da população quando um carro atingiu em cheio o veículo que os dois estavam. O impacto fez a minivan rodar algumas vezes pela pista e se chocar contra o muro de uma padaria, chamando a atenção de alguns imprevistos para onde eles estavam.
— Mas que merda! — Rafael gritou irritado após se recuperar do susto, livrando-se dos estilhaços e ajudando Ana. — Você tá legal?
— Acho que alguma coisa atingiu minha perna. — Ela disse com dificuldade, lutando contra a dor aguda que se instalava no que ela achava ser a tíbia ou a fíbula da perna. Droga, eu não devia ter largado o curso de enfermagem, pensou mentalmente, fazendo mais uma careta.
Rafael afastou a mochila do piso do carro, engolindo em seco quando viu que o machadinho que prendera na bolsa era o responsável pelo estrago. O objeto estava cravado na perna de Ana, manchando de sangue a calça jeans com algumas flores bordadas que ela tanto amava.
— Droga, isso não devia acontecer! — Ela choramingou, passando uma mão pelo rosto enquanto apontava a arma na direção de alguns zumbis que se amontoavam na janela. — Droga! Eu não queria morrer assim! Eu devia ter continuado na faculdade... Eu só queria ser rica e ter lido todos os livros da minha estante! Eu só queria comer uma pizza de chocolate! — Ela desabou em lágrimas, soluçando e tampando os ouvidos com força, como se assim pudesse fazer todos aqueles zumbis e aquela situação ridícula sumir. Como se assim tudo pudesse voltar ao que era antes... — Eu só...
— ANA, SE CONTROLA! — Rafael gritou, sentindo-se sufocar com o cheiro de sangue e salivar ao mesmo tempo com aquilo. Não, isso não! Ele pensou, sentindo o desespero tomar conta de si ao sentir pela primeira vez, desde que fora infectado, perder o controle. Ou quase perdê-lo, já que ele ia lutar com a sua última força para deixar Ana em segurança. — Eu vou puxar isso da sua perna e você vai se... — Ele grunhiu, respirando fundo logo em seguida. — E você se concentre em não gritar. Essas coisas já estão agitadas, então é questão de tempo até eles conseguirem nos ver e quebrar os vidros.
— Eu não tô mais tranquila com isso.
— Respira fundo e fecha os olhos, ok? A gente não tem tempo de fazer um curativo e nem de usar o seu kit de primeiros socorros, então vamos improvisar.
Ela balançou a cabeça em afirmativo, puxando a regata que usava sobre a camisa listrada e entregando na direção de Rafael para ele usar para estancar o sangramento. No entanto, ele rasgou a peça e fez uma espécie de mordaça para si mesmo, prendendo com força atrás da nuca, para se por algum acaso ele se perdesse de vez, ao menos não fosse uma ameaça completa para Ana.
Ana franziu a testa, sem entender o que estava acontecendo, até ele tirar o objeto da perna dela e rapidamente usar a própria camisa para cobrir o ferimento; fazendo-a notar o curativo improvisado na lateral da barriga dele e algumas manchas roxas e veias marcadas ao redor do local. E foi então que ela entendeu que o seu pior pesadelo não estava nem longe de acabar.
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Não me deixe só |✔
Cerita PendekCONTO | +10 Ana odeia muitas coisas, mas nenhuma delas se compara a ter que lutar pela própria sobrevivência em um mundo dominado por zumbis e toda a desordem causada pelas criaturas. E como se não bastasse esse cenário apocalíptico, Ana ainda tem q...